domingo, 19 de agosto de 2012

O Verbo que fala

         João é um escritor de grande competência, que emprega com habilidade nuanças e alusões. O texto apresenta uma simplicidade convidativa, mas essa simplicidade que esconde insights profundos. Seria irreverente e profano reduzir seu evangelho a umas poucas “verdades” ou “princípios” (a abordagem gnóstica). Devemos deixá-lo agir à sua própria maneira. Nossa tarefa é nos sujeitar à arte narrativa de João e permitir que ele nos fundamente no Jesus da criação, essa criação na qual Jesus revela a plenitude de Deus; e, depois, seguir Jesus e adotar a vida de fé firmada na criação, cuja plenitude tome forma dentro de nós.

João escreve a história de Jesus de maneira bastante diferente de seus companheiros canônicos Mateus, Marcos e Lucas, que seguem outro plano. A abordagem de João apresenta a mesma história, mas a mudança de tom e de ponto de vista nos envolve de maneira distinta. O romancista John Updike observa que, se considerarmos Mateus, Marcos e Lucas progressivamente sedimentares, João é metafórico – todas as camadas intensamente combinadas em algo muito diferente.

A narrativa de João é constituída principalmente das conversas de Jesus. No relato reescrito que João apresenta da criação de Gênesis, a característica mais conspícua é que Jesus fala. Ele é, afinal das contas, o Verbo. Mas, ao contrário das frases curtas de Gênesis, as palavras de Jesus fluem em diálogos e discursos. A oração inicial de João: “No princípio era o Verbo” é detalhada nas conversas de Jesus com pessoas de todo o tipo vivendo em quaisquer circunstâncias, conversas curtas e longas, incisivas e complexas, mas todas conversas.

Essas conversas se desenvolvem e se acumulam: conversas entre Jesus e Sua mãe, Jesus e Seus discípulos, Jesus e Nicodemos, Jesus e a samaritana, Jesus e o paralítico, Jesus e o cego, Jesus e os judeus, Jesus e Marta, Jesus e Maria, Jesus e Caifás, Jesus e Pilatos e, sem nenhuma mudança de tom ou dicção, entre Jesus e Deus, entre o Filho e o Pai. Em várias ocasiões, as conversas se transformam em discursos, mas o tom dialogal é sempre preservado. Não se trata de declamações para um “mundo” generalizado, mas de conversas pessoais. O Senhor da linguagem usa a linguagem não para dominar, mas para formar relacionamentos de Graça e Amor, criar comunidades e amadurecê-las em oração.

Eugene H. Perterson

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