sábado, 25 de abril de 2009

Como ler a Bíblia


O que desejo deixar claro é que a escrita espiritual - aquela originária do Espírito - exige uma leitura igualmente espiritual, que honre as palavras como sagradas, por intermédio das quais se forma uma teia complexa de relacionamentos entre Deus e o ser humano, entre todas as coisas visíveis e invisíveis.


Só há uma modalidade de leitura que corresponde às nossas Sagradas Escrituras, uma forma de escrita que confia no poder das palavras para penetrar nossa vida e criar verdade, beleza e bondade - uma escrita que requer do leitor que, nas palavras de Rainer Maria Rilke, "nem sempre permanece curvado sobre as páginas; ele frequentemente se recosta e fecha os olhos sobre uma linha". Essa é a maneira de ler citada por nossos ancestrais como lectio divina, muitas vezes traduzida como "leitura espiritual", leitura que penetra em nossa alma como alimento que entra no estômago, espalhando-se pelo sangue e transformando-se em santidade, amor e sabedoria.


Eugene Peterson. Maravilhosa Bíblia. Ed. Mundo Cristão.

quarta-feira, 15 de abril de 2009

Por que perdoar?



O escândalo do perdão confronta todos que concordem com um cessar-fogo moral apenas porque alguém diz: “Sinto muito”. Quando me sinto ofendido, posso imaginar uma centena de motivos contra o perdão. Ele precisa aprender uma lição. Não quero incentivar o comportamento irresponsável. Vou deixá-la em banho-maria por um tempo; vai-lhe fazer bem. Ela precisa aprender que suas atitudes têm conseqüências. Fui ofendido – não preciso dar o primeiro passo. Como posso perdoar se ele nem mesmo está arrependido? Quando, enfim, me acalmo a ponto de conceder o perdão, parece uma capitulação, um salto da lógica fria para um sentimento piegas.
Por que dou esse salto? Um fator que me motiva é que, por ser cristão, tenho ordens de perdoar, como filho de um Pai que perdoa. Mas por que qualquer um de nós, cristãos ou incrédulos, opta por esse gesto nada natural? Sou capaz de identificar pelo menos mais dois motivos pragmáticos.

Primeiro, o perdão é a única alternativa que pode deter o ciclo da culpa e da dor, interrompendo a cadeia da ausência de Graça. No Novo Testamento, a palavra grega mais comum usada para o perdão significa, literalmente, soltar, jogar para longe, libertar-se. Prontamente admito que o perdão é injusto. Mas se não transcendemos a natureza, permanecemos presos à pessoa que não conseguimos perdoar, atados mesmo. O princípio se aplica até mesmo quando uma das partes é totalmente inocente e a outra, totalmente culpada, pois a parte inocente vai carregar a ferida até que consiga encontrar um caminho para receber alívio. E o perdão é o único caminho para isso.
O segundo grande poder do perdão reside no fato de ele ser capaz de soltar o ofensor das amarras da culpa. A culpa corrói mesmo quando conscientemente é reprimida. O perdão magnânimo dá possibilidade de transformação à parte culpada.

Lewis Smede adverte: perdão não é o mesmo que indulto. Pode-se perdoar uma pessoa que errou e ainda assim, insistir em uma reparação justa. Mas quando se chega ao ponto de perdoar, libera-se o poder curador tanto em você como na pessoa que o ofendeu.
O perdão quebra o ciclo da culpa e afrouxa a força opressora do pecado. Realiza as duas coisas por meio de uma notável ligação, colocando o perdoador do mesmo lado de quem cometeu o erro. Por meio disso, percebemos que não somos tão diferentes do culpado, como gostaríamos de pensar. “Eu também sou diferente do que eu mesma me imagino. Saber disto é perdoar”, disse Simone Weil.

O milagre gracioso do perdão divino foi possível por causa da engrenagem que entrou em operação quando Deus desceu à terra em Cristo. De alguma forma, Ele teve de chegar a um acordo com essas criaturas que ansiava tanto amar – mas como? Em termos de experiência própria, Deus não sabia o que significava ser tentado pelo pecado, nem o que é ter um dia difícil. Na terra, vivendo entre nós, Ele aprendeu isso. Colocou-se ao nosso lado.

O livro de Hebreus torna explícito este mistério da encarnação: “Pois não temos um sumo sacerdote que não possa compadecer-se, mas sem pecado”. A segunda carta de Paulo aos coríntios vai ainda mais longe: “Aquele que não conheceu pecado, Ele O fez pecado por nós”. Não podemos ser mais explícitos. Deus fez a ponte sobre o abismo; Ele passou totalmente para o nosso lado. E, por causa disso, o autor das cartas aos Hebreus afirma, Jesus pode defender-nos diante do Pai. Ele esteve lá. Ele compreende.
Pela narrativa dos evangelhos, parece que o perdão também não foi fácil para Deus. “Se possível, passa de mim esse cálice”, Jesus orou, contemplando o preço que deveria pagar em nosso favor, e o suor pingou d’Ele em gotas de sangue. Não havia outro meio. Finalmente, em uma de Suas últimas declarações antes de morrer, Ele disse: “perdoa-lhes” – a todos eles, aos soldados romanos, aos líderes religiosos, aos discípulos que fugiram nas trevas, a você e a mim – “perdoa-lhes, pois não sabem o que fazem”. Apenas tornando-se um ser humano o Filho de Deus poderia realmente dizer: “Não sabem o que fazem”. Tendo morado entre nós, Ele agora compreendia.

Walter Wink conta de dois pacifistas que visitaram um grupo de cristãos poloneses 10 anos depois do fim da IIGM. “Vocês não gostariam de se encontrar com os cristãos da Alemanha Ocidental?”, os pacifistas perguntaram. “Eles querem pedir perdão pelo que a Alemanha fez à Polônia durante a guerra e iniciar, dessa forma, um novo relacionamento”.
Houve silêncio. Então um polonês falou: “O que vocês estão pedindo é impossível. Cada pedra de Varsóvia está encharcada de sangue polonês! Não podemos perdoar!”.
Antes do grupo partir, recitaram juntos a oração do Pai Nosso. Quando chegaram às palavras “perdoa-nos os nossos pecados assim como nós perdoamos...”, todos pararam de orar. A tensão cresceu. O mesmo polonês disse: “Tenho de dizer sim. Não posso fazer a oração do Pai Nosso, não posso me chamar cristão se recusar o perdão. Humanamente, não posso, mas Deus vai dar-nos força!”. Dezoito meses depois, os cristãos poloneses e alemães ocidentais reuniram-se em Viena, estabelecendo laços de amizade que continuam até o dia de hoje.

Elton Trueblood observa que a imagem que Jesus usou para descrever o destino da igreja – “as portas do inferno não prevalecerão contra ela” – é uma metáfora de ataque, e não de defesa. Os cristãos estão bombardeando as portas, (através do perdão) e vão prevalecer. Não importa o que a igreja pareça em determinados pontos da história, as portas guardando os poderes do mal não vão permanecer contra o assalto da Graça.
Considerando que o perdão vai contra a natureza humana, ele deve ser ensinado e praticado, como se pratica qualquer arte difícil. “O perdão não é simplesmente um ato ocasional: é uma atitude permanente”, disse Martin Luther King Jr. Que presente maior os cristãos poderiam dar ao mundo do que a formação de uma cultura que preserva a Graça e o Perdão?

Philip Yancey. Adaptado de “Maravilhosa Graça, ed Vida.

segunda-feira, 6 de abril de 2009

Cooperando com Deus


Seguir a Deus significa dar duro. Seu Amor e bênçãos podem ser fáceis de receber, mas quando a obediência que lhe é devida exige algo contrário a nossa natureza humana, o conflito se estabelece e haverá de testar nosso comprometimento. O Senhor quer Sua Santidade enraizada em nós e pode usar esses testes de vontade para nos tornar semelhantes a Ele.


Corrie tem Boom relata um teste decisivo para sua disposição de deixar o Senhor Amar alguém por seu intermédio a quem tinha todos os motivos do mundo para odiar. Aconteceu ao falar sobre o perdão de Deus para uma igreja lotada em Munique, Alemanha, em 1947. Corrie e a irmã, Betsie, pouco anos antes, haviam sido prisioneiras no campo de concentração de Ravensbrück por ocultarem judeus em sua casa durante a ocupação nazista da Holanda. Corrie vira a irmã padecer de morte lenta e dolorosa no campo.


Agora, enquanto observava as pessoas formarem fila para deixar a igreja, todas muito sérias depois da mensagem desafiadora, Corrie se viu provada até o limite. Divisou no meio da multidão um homem usando chapéu e sobretudo bastante comuns. Ainda assim, num instante lembrou-se do mesmo rosto emoldurado por um quepe com o símbolo da caveira e dos ossos cruzados e por um uniforme azul – a vestimenta dos guardas nazistas. De repente, foi como se voltasse ao enorme salão de Ravensbrück, onde ela, a irmã e os demais prisioneiros foram obrigados a desfilarem nus diante daquele mesmo par de olhos. Embora o homem não demonstrasse tê-la reconhecido, ela não tinha dúvidas quanto a sua identidade.


Ele se aproximou para cumprimentá-la pela mensagem e expressou seu alívio por saber que os pecados que cometera, nas palavras dela, estavam agora no fundo do mar. Em vez de tomar a mão que ele lhe estendia, Corrie remexeu nervosa na bolsa. Era a primeira vez que deparava com um de seus algozes. O homem prosseguiu, explicando que trabalhara em Ravensbrück, o campo que ela mencionara no sermão. E revelou que se tornara crente em Jesus Cristo depois da guerra. Aceitara o perdão de Deus mas se perguntava se poderia ter também o dela, Corrie. E de novo lhe estendeu a mão.


Ela ficou petrificada. Lembranças da morte agonizante de Betsie atravessaram-lhe a mente. Um simples aperto de mão apagaria o que acontecera? Todavia, precisava fazê-lo. Junto às imagens de Betsie vieram-lhe as Palavras de Jesus: “Pois se perdoarem as ofensas uns dos outros, o Pai celestial também lhes perdoará. Mas se não perdarem uns aos outros, o pai celestial não lhes perdoará as ofensas”, (Mt6.14,15). Corrie sabia que o perdão não era apenas uma exigência do Senhor, mas o único meio de reconstrução da vida após uma tragédia. Quem abrigava amargura contra os nazistas havia se tornado prisioneiro do próprio ódio e estava sendo consumido por ele. Sabia também que o perdão é assunto mais da vontade do que do coração. Podemos não sentir vontade de perdoar, mas podemos tomar a decisão de fazê-lo mesmo assim e confiar que Deus proverá os sentimentos com o tempo.


Afinal, estendeu a mão e orou pedindo ajuda. Quando ele a tomou, Corrie experimentou um estranho calor percorrendo o braço até enchê-la. Piscando muito para conter as lágrimas, proferiu palavras sinceras de perdão enquanto o amor de Deus tomava conta dela com maior intensidade do que nunca. Esse amor não só completou o que lhe faltava como também a saciou de modo mais gracioso do que ela poderia imaginar.


Brenda Quinn. Adaptado de “A Bíblia, minha companheira”, ed. Vida.