quarta-feira, 15 de abril de 2009

Por que perdoar?



O escândalo do perdão confronta todos que concordem com um cessar-fogo moral apenas porque alguém diz: “Sinto muito”. Quando me sinto ofendido, posso imaginar uma centena de motivos contra o perdão. Ele precisa aprender uma lição. Não quero incentivar o comportamento irresponsável. Vou deixá-la em banho-maria por um tempo; vai-lhe fazer bem. Ela precisa aprender que suas atitudes têm conseqüências. Fui ofendido – não preciso dar o primeiro passo. Como posso perdoar se ele nem mesmo está arrependido? Quando, enfim, me acalmo a ponto de conceder o perdão, parece uma capitulação, um salto da lógica fria para um sentimento piegas.
Por que dou esse salto? Um fator que me motiva é que, por ser cristão, tenho ordens de perdoar, como filho de um Pai que perdoa. Mas por que qualquer um de nós, cristãos ou incrédulos, opta por esse gesto nada natural? Sou capaz de identificar pelo menos mais dois motivos pragmáticos.

Primeiro, o perdão é a única alternativa que pode deter o ciclo da culpa e da dor, interrompendo a cadeia da ausência de Graça. No Novo Testamento, a palavra grega mais comum usada para o perdão significa, literalmente, soltar, jogar para longe, libertar-se. Prontamente admito que o perdão é injusto. Mas se não transcendemos a natureza, permanecemos presos à pessoa que não conseguimos perdoar, atados mesmo. O princípio se aplica até mesmo quando uma das partes é totalmente inocente e a outra, totalmente culpada, pois a parte inocente vai carregar a ferida até que consiga encontrar um caminho para receber alívio. E o perdão é o único caminho para isso.
O segundo grande poder do perdão reside no fato de ele ser capaz de soltar o ofensor das amarras da culpa. A culpa corrói mesmo quando conscientemente é reprimida. O perdão magnânimo dá possibilidade de transformação à parte culpada.

Lewis Smede adverte: perdão não é o mesmo que indulto. Pode-se perdoar uma pessoa que errou e ainda assim, insistir em uma reparação justa. Mas quando se chega ao ponto de perdoar, libera-se o poder curador tanto em você como na pessoa que o ofendeu.
O perdão quebra o ciclo da culpa e afrouxa a força opressora do pecado. Realiza as duas coisas por meio de uma notável ligação, colocando o perdoador do mesmo lado de quem cometeu o erro. Por meio disso, percebemos que não somos tão diferentes do culpado, como gostaríamos de pensar. “Eu também sou diferente do que eu mesma me imagino. Saber disto é perdoar”, disse Simone Weil.

O milagre gracioso do perdão divino foi possível por causa da engrenagem que entrou em operação quando Deus desceu à terra em Cristo. De alguma forma, Ele teve de chegar a um acordo com essas criaturas que ansiava tanto amar – mas como? Em termos de experiência própria, Deus não sabia o que significava ser tentado pelo pecado, nem o que é ter um dia difícil. Na terra, vivendo entre nós, Ele aprendeu isso. Colocou-se ao nosso lado.

O livro de Hebreus torna explícito este mistério da encarnação: “Pois não temos um sumo sacerdote que não possa compadecer-se, mas sem pecado”. A segunda carta de Paulo aos coríntios vai ainda mais longe: “Aquele que não conheceu pecado, Ele O fez pecado por nós”. Não podemos ser mais explícitos. Deus fez a ponte sobre o abismo; Ele passou totalmente para o nosso lado. E, por causa disso, o autor das cartas aos Hebreus afirma, Jesus pode defender-nos diante do Pai. Ele esteve lá. Ele compreende.
Pela narrativa dos evangelhos, parece que o perdão também não foi fácil para Deus. “Se possível, passa de mim esse cálice”, Jesus orou, contemplando o preço que deveria pagar em nosso favor, e o suor pingou d’Ele em gotas de sangue. Não havia outro meio. Finalmente, em uma de Suas últimas declarações antes de morrer, Ele disse: “perdoa-lhes” – a todos eles, aos soldados romanos, aos líderes religiosos, aos discípulos que fugiram nas trevas, a você e a mim – “perdoa-lhes, pois não sabem o que fazem”. Apenas tornando-se um ser humano o Filho de Deus poderia realmente dizer: “Não sabem o que fazem”. Tendo morado entre nós, Ele agora compreendia.

Walter Wink conta de dois pacifistas que visitaram um grupo de cristãos poloneses 10 anos depois do fim da IIGM. “Vocês não gostariam de se encontrar com os cristãos da Alemanha Ocidental?”, os pacifistas perguntaram. “Eles querem pedir perdão pelo que a Alemanha fez à Polônia durante a guerra e iniciar, dessa forma, um novo relacionamento”.
Houve silêncio. Então um polonês falou: “O que vocês estão pedindo é impossível. Cada pedra de Varsóvia está encharcada de sangue polonês! Não podemos perdoar!”.
Antes do grupo partir, recitaram juntos a oração do Pai Nosso. Quando chegaram às palavras “perdoa-nos os nossos pecados assim como nós perdoamos...”, todos pararam de orar. A tensão cresceu. O mesmo polonês disse: “Tenho de dizer sim. Não posso fazer a oração do Pai Nosso, não posso me chamar cristão se recusar o perdão. Humanamente, não posso, mas Deus vai dar-nos força!”. Dezoito meses depois, os cristãos poloneses e alemães ocidentais reuniram-se em Viena, estabelecendo laços de amizade que continuam até o dia de hoje.

Elton Trueblood observa que a imagem que Jesus usou para descrever o destino da igreja – “as portas do inferno não prevalecerão contra ela” – é uma metáfora de ataque, e não de defesa. Os cristãos estão bombardeando as portas, (através do perdão) e vão prevalecer. Não importa o que a igreja pareça em determinados pontos da história, as portas guardando os poderes do mal não vão permanecer contra o assalto da Graça.
Considerando que o perdão vai contra a natureza humana, ele deve ser ensinado e praticado, como se pratica qualquer arte difícil. “O perdão não é simplesmente um ato ocasional: é uma atitude permanente”, disse Martin Luther King Jr. Que presente maior os cristãos poderiam dar ao mundo do que a formação de uma cultura que preserva a Graça e o Perdão?

Philip Yancey. Adaptado de “Maravilhosa Graça, ed Vida.

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