quinta-feira, 29 de março de 2012

A cabeça e o corpo

Uma cena, mais do que qualquer outra, simboliza para mim o papel da cabeça no corpo humano e da Cabeça no corpo espiritual. Ela envolve um cego, um paciente que chamarei de José.
O corpo de José já havia sofrido enormes danos causados pela lepra, na época em que ele veio de Porto Rico para Carville para buscar tratamento. Sua insensibilidade ao toque era tamanha que, quando vendado, não conseguia perceber quando alguém entrava no cômodo e segurava sua mão. As células do tato e da dor tinham silenciado. Em razão disso, cicatrizes e úlceras cobriam as mãos, o rosto e os pés, tornando-se testemunha muda dos maus tratos não intencionais que seu corpo havia suportado sem nenhuma sensação de dor. Nada além de cotocos em suas mãos assinalava o local onde costumavam ficar os dedos.
Uma vez que as células de dor em seus olhos já não o alertavam sobre quando piscar, os olhos de José gradualmente se ressecaram. Essa condição, agravada pela intensa catarata e pelo glaucoma, logo o tornou cego. Minha mulher, Margaret (cirurgiã oftalmologista), disse a ele que uma cirurgia corrigiria a catarata, restaurando um pouco de sua visão, mas ela não poderia operá-lo enquanto a inflamação da íris não fosse debelada. Infelizmente, uma terrível desgraça acabou com a última ligação de José com o mundo externo. Em uma tentativa desesperada de deter a lepra resistente à sulfona, os médicos tentaram tratá-lo com uma nova droga. José teve uma rara reação alérgica e perdeu a audição.
Dessa forma, com a idade de 45 anos, José perdeu todo o contato com o mundo. Ele não conseguia ver nem ouvir se uma pessoa falasse. Ele não podia nem ao menos usar a linguagem dos sinais táteis – a lepra havia entorpecido seu tato. Até o sentido do olfato havia sumido após a lepra ter lhe invadido a mucosa nasal. Todas as suas conexões com o mundo, à exceção de seu paladar tinham sido rompidas. Com o passar das semanas, assistíamos aos efeitos disso tudo em José, enquanto sua mente começava a aceitar a realidade de ter perdido todo e qualquer contato significativo com o mundo de flores, rios, ilhas e pessoas.
O corpo de José respondeu com um doloroso reflexo do que estava acontecendo por dentro: os membros se retraíram em direção ao tronco, e ele começou a assumir uma posição fetal sobre a cama. Ele podia acordar e esquecer onde estava. Ele não sabia se era dia ou noite, e quando falava, não sabia se alguém o ouvia ou lhe respondia. Mesmo assim, às vezes ele falava, aumentando o tom de voz por não conseguir ouvir o volume e deixando afluir a inexplicável solidão de uma mente condenada ao confinamento solitário.
Em um mundo assim, os pensamentos andam em círculos e espirais, causando medos e suspeitas. A loucura não é a perda da percepção do mundo real? O corpo de José se enrolava cada vez mais sobre a cama. Ele estava se preparando para morrer na mesma posição em que tinha nascido. Todos que fazíamos parte da equipe, ao passarmos por seu quarto, parávamos à porta por alguns instantes, balançávamos a cabeça e continuávamos em frente. O que podíamos fazer?
Margaret visitava José dedicadamente. Incapaz de apenas observar aquele homem – que de outra forma seria saudável – se auto-destruir, ela sentia que devia tentar algum tipo de tratamento radical para recuperar, pelo menos em parte, a visão dele. Ele aguardava impacientemente a melhora na infecção dos olhos de José para poder marcar a cirurgia.
José, é claro, não entendia o que estava acontecendo quando o moveram em uma maca com rodas para a sala de cirurgia. Ele permaneceu passivamente deitado durante as duas horas da operação.
Margaret removeu as bandagens alguns dias depois; uma experiência que ela nunca esquecerá. Embora José já tivesse percebido algum movimento impreciso, e provavelmente raciocinado que alguém estava tentando ajudá-lo, nada o havia preparado para o que realmente aconteceu. À medida que os olhos lutavam contra a luz e se focavam lentamente sobre a equipe médica reunida ao redor da cama, o rosto que não sorria havia meses se abriu num enorme riso desdentado. O contato havia sido recuperado.
Naquele longo período de isolamento, o cérebro de José continuava intacto dentro do crânio, completo, com memória, emoções e instruções para comandar o corpo. Mas ficava inútil porque a comunicação havia sido bloqueada.
Penso em José quando penso no que Deus suporta ao decidir atuar como a Cabeça em um corpo composto de seres humanos. O órgão mais magnífico do corpo pode permanecer isolado e inútil, caso não haja a cooperação dos sentidos que lhe informam e das células que lhe obedecem. Deus escolheu esta mesma posição para Si mesmo, agindo não a despeito de nós ou contra nós, mas por meio de nós. Essa é a humilhação.
Mas também há um triunfo, e ele surge quando a comunicação é restabelecida. Quando os canais sensoriais de José foram restaurados, repentinamente tudo o que estava isolado e inútil ficou livre para se expressar ao mundo exterior. José deixou claro que queria sua cadeira de rodas parada na porta de seu quarto o dia todo. Ele se sentava lá, quieto, olhando a cada segundo para cima e para baixo os longos corredores do leprosário. Quando via outra pessoa vindo, seu rosto se abria naquele sorriso incontido.
Hoje, José tem contato com o mundo. Ele insiste em vir à nossa pequena igreja todo domingo, mesmo não conseguindo ouvir nada do culto. Com o que lhe restou dos dedos, ele mal pode segurar o botão de controle de sua cadeira de rodas elétrica, e o estreito campo de visão faz com que ele colida com os objetos ao longo dos compridos corredores. Mas ainda assim ele vem, independentemente do clima lá fora. Os outros membros aprenderam a cumprimentá-lo inclinando-se, colocando o rosto na frente dele e acenando. O maravilhoso sorriso de José invariavelmente aparece, e às vezes sua alta risada. Apesar de não enxergar direito e não poder ouvir ou sentir absolutamente nada, ele consegue de alguma forma sentir a amizade daquela igreja. Isso é suficiente para ele.
A mente de José já não está mais isolada e sozinha, mas unida às outras células em seu corpo. Tudo aquilo em seu poderoso cérebro tem agora uma conexão com o resto de nós aqui fora. Ele pode expressar a imagem que esteve lacrada lá dentro.

Yancey e dr Paul Brand, “À imagem e semelhança de Deus”

terça-feira, 27 de março de 2012

O relacionamento da cabeça com o corpo

Dentro da analogia deste livro, os relatos de Von Senden ilustram como o cérebro, isolado do mundo real em sua caixa de marfim, precisa interpretar a realidade a partir de indícios parciais, informados pelo resto do corpo. Quando uma condição como a cegueira limita essas informações, o corpo é afetado por inteiro.
De imediato admito que a analogia da percepção não pode ser levada muito longe. A mente ou a cabeça deste corpo – o próprio Deus na pessoa de Cristo – não depende das percepções obtidas por meio dos membros do Seu corpo nem é limitada a elas. O Seu conhecimento abrange tudo; Ele não precisa de nossas frágeis fibras para aumentar Sua sabedoria. Entretanto, em outro sentido, graças ao espantoso fato de Deus ter limitado a Si mesmo, a analogia da mente solitária se aplica.
Já vimos que Deus autolimita Sua atuação ao contar principalmente com falhos agentes humanos. Por caminhos além da nossa compreensão, Deus também escolheu fazer com que Sua presença na terra fosse dependente de nós, as mensagens enviadas pelos membros, ou células, de Seu corpo.
De todos os maravilhosos aspectos do corpo humano, não conheço nenhum que seja tão fantástico quanto o fato de todas as centenas de trilhões de células de meu corpo terem acesso ao cérebro. Muitas células, como as usadas na visão, têm conexão direta com os neurônios; outras têm canais imediatamente colocados à disposição quando precisam informar suas necessidades ou situação. E, no corpo de Cristo, não conheço nada tão fantástico quanto o fato de cada um de nós ter contato direto com Jesus, o Cabeça. Surpreendentemente, Ele ouve nossa voz, leva em consideração nossos pedidos e, quase literalmente, usa essas informações para influenciar o sentido de suas atitudes no mundo. “A oração de um justo é poderosa e eficaz”, (Tg5:16).
Por meio de nós, que atuamos como Suas mãos, ouvidos, olhos e neurônios, Deus permanece “em contato” com este mundo e com as pessoas que vivem nele. Suas ações levam em conta o que Lhe comunicamos. Há também uma “vantagem” para Deus, por assim dizer. Em diversas e formidáveis passagens, a Bíblia expressa a impressionante verdade de que Deus tem prazer em Sua Igreja: somos Seu “tesouro pessoal”, “um aroma agradável”, “presentes com os quais Ele Se alegra”. E por mais de trinta vezes no Novo Testamento nos lembra de que somos Seu corpo, unidos a Ele de forma tão íntima, que o que acontece a nós também acontece a Ele. Por mais impressionante que possa parecer, a conclusão é óbvia: Deus quer que sejamos Seus companheiros. Ele deseja receber mensagens de Seu corpo. Ele nos criou para que pudesse receber nosso amor.
A ação humana, como a oração, afeta o Paraíso. A conversão de um único pecador faz com que haja festa nos céus.
Logicamente, orar é o canal principal. A oração em si pode ser uma atividade de tempo integral. A Bíblia nos lembra com veemência que Deus ouve nossas orações. Por mais incrível que pareça, tem-se a impressão de que Deus sente falta do contato com os diferentes membros do corpo. A falta desse contato e a ausência da fé humana limitam o corpo espiritual, da mesma forma que a falta que de um sentido, como a visão, limita todo o corpo físico.
A intimidade ou canal aberto que agora temos com Deus remonta à conciliação ganha por Cristo para nós. Na encarnação, Ele assumiu o papel de célula, adentrando Sua própria criação. E ao longo de todo o Seu tempo na terra, Jesus sentiu a necessidade de Se retirar para entrar em comunhão com o Pai. Deus falando com Deus – o mistério da Trindade. Por Seu exemplo, o Filho de Deus nos mostrou como é imprescindível enviar um fluxo contínuo de mensagens para o Pai.

O corpo de Cristo tem uma clara vantagem sobre o corpo físico, pois naquele a Cabeça está totalmente acessível e receptiva a mais leve mensagem externa. A Cabeça do corpo de Cristo nunca precisa ser despertada ou instruída. Nenhuma carência de sabedoria ou de poder limita a ação de Deus no mundo. Em vez disso, a única limitação é a participação das células que são membros em relação à Cabeça. Todos os cristãos precisam apenas aprender a entregar a Deus cada emoção, cada atitude e cada experiência de suas vidas.
Davi é um exemplo de humano imperfeito, assassino e adúltero. No entanto, achou favor em Deus, a ponto de ser chamado “homem segundo o coração de Deus”. Ao ler os seus poemas posso perceber que mereceu essa denominação. Seus poemas contêm não apenas raiva e desespero, mas também alegria e louvor; desamparo e tristeza, mas também força e confiança; dor e vingança, mas também humildade e amor. Temperamentos claramente contraditórios se digladiam. Suas emoções são tumultuadas. Davi não escondia nada de Deus, fosse bom, fosse ruim. Creio que era isso o que Deus amava. A “célula” chamada Davi levava Deus a sério. Ele relatava diariamente, e às vezes a cada minuto, cada situação de sua vida e esperava que Deus lhe respondesse.

Yancey e dr Paul Brand, “À imagem e semelhança de Deus”,

domingo, 25 de março de 2012

Oração em favor da igreja

“Agora, pois, ó Deus nosso, ouve a oração do Teu servo e as suas súplicas e sobre o Teu santuário assolado faze resplandecer o rosto, por amor do Senhor”, (Dn9:17).

Esse homem de coração veraz não vivia para si. Daniel era ardoroso amante de seu país.
Sua oração é instrutiva para nós.
Ela sugere nossas ferventes súplicas a favor da igreja de Deus, nestes dias.
I – O LUGAR SANTO “TEU SANTUÁRIO”.
O templo era típico, e, para nossa edificação, deveremos ler o texto como se ele quisesse significar a casa espiritual. Há muitos pontos no símbolo que são dignos de nota, mas estes podem ser suficientes:
1. O templo era único e, como só podia haver um templo para Yahweh, assim também há apenas uma igreja.
2. O templo resultou de grande custo e vasta mão de obra; assim também foi a igreja edificada pelo Senhor Jesus, a um custo que jamais pode ser avaliado.
3. O templo era o santuário da habitação de Deus.
4. O templo era o lugar onde Deus era adorado.
5. O templo era o trono de Seu Poder: Sua Palavra provinha de Jerusalém; ali Ele governava Seu povo e destroçava Seus inimigos.
II – A ORAÇÃO FERVOROSA. “SOBRE O TEU SANTUÁRIO ASSOLADO FAZE RESPLANDECER O ROSTO”.
1. Ela estava acima de todo egoísmo. Essa era sua única oração, centro de todas as suas orações.
2. Ela se lança sobre Deus. “Ó Deus nosso”.
3. Era uma confissão de que ele nada podia fazer de si mesmo. Homens honestos não pedem a Deus que faça o que eles mesmos podem fazer.
4. Pedia uma ampla bênção. “Faze resplandecer o Teu rosto”. Isso significa muitas coisas, que também imploramos, a favor da igreja de Deus.
Ministros em seus lugares, fiéis em seu serviço.
Verdade proclamada em sua clareza. O rosto de Deus não pode brilhar sobre falsidade ou equívoco.
Deleite na comunhão. Poder no testemunho. Quando agradamos a Deus, Sua Palavra é Poderosa.
III – A CONDUTA CONSISTENTE É SUGERIDA POR ESS ORAÇÃO.
1. Lancemo-la fervorosamente no coração. Quer para alegria ou tristeza, que a conduta da igreja nos preocupe profundamente.
2. Façamos tudo o que pudermos por ela, ou nossa prece será uma zombaria.
3. Nada façamos para entristecer ao Senhor; pois tudo depende de Seu sorriso.
4. Oremos muito mais do que temos feito. Cada um de nós seja um Daniel.

Cito Thomas Adams: “A igreja pode estar enferma, mas não está morta. Morrer ela não pode, pois o Sangue do Rei Eterno a adquiriu, o Poder do Espírito Eterno agora a preserva, e a Misericórdia do Deus Eterno finalmente a coroará”.



Spurgeon

O homem do céu

O ataque foi tão duro que minha única reação foi me encolher e fixar o pensamento em Jesus, tentando não pensar na dor. Por fim, perdi a consciência.
O incidente foi tão violento que só não morri por milagre. Mais tarde, as palavras do salmista me vieram à mente: “Não fosse o Senhor, que esteve ao nosso lado, quando os homens se levantaram contra nós, e nos teriam engolido vivos, quando a sua ira se acendeu contra nós; as águas nos teriam submergido, e sobre a nossa alma teria passado a torrente; águas impetuosas teriam pássaros sobre a nossa alma. Bendito o Senhor, que não nos deu por presa aos dentes deles. Salvou-se a nossa alma, como um pássaro do laço dos passarinheiros; quebrou-se o laço, e nós nos vimos livres. O nosso socorro está em o nome do Senhor, criador do céu e da terra”, (Sl 124:2-8).
Acordei numa cela no quartel general de Departamento de Segurança Pública da cidade de Zhengzhou. O Irmão Xu e outros líderes estavam comigo. Eu me encontrava coberto de lama das botas dos oficiais, minhas orelhas estavam inchadas por causa da surra, e eu não conseguia ouvir muito bem.
Ficamos sabendo que a ordem para nos prender viera do governo central de Pequim, que havia descoberto que planejávamos nos unir. As igrejas domésticas isoladamente já representavam um espinho na carne para o estado comunista ateu. Sendo assim, a perspectiva do que poderia acontecer se nos uníssemos gerou terror nos escalões mais altos do governo. A ordem de Pequim determinava que as autoridades da Província de Henan deveriam tratar nosso caso com extrema seriedade. Os governantes desconheciam que o Reino de Deus não é deste mundo e temiam que os debates sobre a unidade resultassem em um partido político de oposição que poderia ameaçar a estabilidade do país.
As autoridades filmaram e fotografaram nossa detenção. A notícia vazou da China para o resto do mundo.
Sofremos torturas horrendas. Fomos algemados e amarrados juntos, com cordas, e depois surrados com varas e cassetetes. Não ficaríamos surpresos se nos levassem e nos executassem sem nenhum aviso.
Em minha audiência no tribunal o juiz declarou:
- Yun, estou farto de você. Vem fazendo oposição ao governo e virando a sociedade de cabeça pra baixo há anos. Fugiu da prisão muitas vezes. Sua última façanha foi pular de uma janela e quebrar as pernas. Responda, Yun, se você tiver oportunidade, vai tentar fugir de novo?
Pensei um pouco e respondi com a verdade:
- É uma boa pergunta, senhor juiz. Não vou mentir. Se eu tiver oportunidade, vou tentar fugir. Fui chamado para pregar as boas novas por toda a China, e tenho de fazer tudo o que for possível para obedecer ao chamado que Deus colocou em minha vida.
Minha resposta enfureceu a todos: juiz, guardas e oficiais do tribunal. O juiz falou com rispidez:
- Que ousadia falar isso, seu delinqüente! Vou quebrar suas pernas definitivamente, e você nunca mais vai conseguir fugir!
Fui levado a uma sala de interrogarório, onde vários guardas me forçaram a sentar no chão, com as pernas separadas. Implorei que não batessem em minhas pernas fraturadas, mas um homem de aparência sinistra endureceu o coração e pegou o cassetete. Para garantir que eu nunca conseguiria fugir, golpeou minhas pernas repetidas vezes, entre os joelhos e os tornozelos. Dilacerou-as até que eu não suportei mais a dor. Desabei ali no chão, gritando como um animal ferido. A dor excruciante percorria todo o meu corpo e também a mente. Tudo que eu podia fazer era tentar focalizar o pensamento no Senhor Jesus e em Seu sofrimento na cruz.
Tive certeza de que iria morrer, mas Deus me sustentou porque ainda não havia concluído a obra em mim. Minhas pernas ficaram completamente pretas do joelho pra baixo, e perdi a sensibilidade nelas. Meu corpo todo doía e havia hematomas da cabeça aos pés.

Yun foi libertado por uma ação direta do Senhor, no tempo perfeito de Deus, depois de cumprir apenas 7meses e 7dias da sentença de 7anos. Agora estávamos no aeroporto, aguardando sua chegada. Será que viria doente, cansado e abatido, depois de uma provação terrível?
De repente, Yun apareceu no portão de desembarque, muito diferente do que prevíamos. O rosto brilhava, e o sorriso ia de uma orelha a outra.
“Louvado seja Deus! Aleluia!” foram suas primeiras palavras. “Glória a Deus!”
Nós nos demos as mãos e curvamos a cabeça em oração de gratidão. Enquanto isso os demais passageiros passavam por nós apressadamente, rumo aos balcões do aeroporto, olhando-nos espantados.
O Irmão Yun é conhecido em toda a China como o “Homem do Céu”, por causa de um incidente ocorrido em 1984, quando se recusou a revelar às autoridades sua verdadeira identidade para não colocar em perigo outros cristãos. Diante das ameaças e da violência do Departamento de Segurança Pública, em vez de dizer seu nome e endereço, ele gritava:
“Sou um homem do céu! Meu lar é o céu!”
Os crentes, que ainda estavam reunidos em uma casa próxima, ouviram os gritos e perceberam que era um aviso. Fugiram e, por isso, escaparam da prisão.
Em sinal de respeito a coragem e ao amor de Yun pelo corpo de Cristo, os crentes da igreja doméstica da China o chama até hoje de “Homem do Céu”.
Yun é o primeiro a reconhecer que há muita coisa nele que não tem nada de celestial! Como todos nós, enfrenta tentações e fraquezas, mas ele sabe que, sem a Graça de Jesus, não tem nenhum valor. Uma vez, ele disse a Deling, sua esposa:
“Não somos absolutamente nada. Não temos nada de que nos orgulhar. Não possuímos habilidades nem coisa alguma a oferecer a Deus. O fato de Ele decidir nos usar decorre unicamente de Sua Graça. Não é mérito nosso. Não poderíamos nem pensar em nos queixar se Ele resolvesse levantar outras pessoas para cumprir Seus propósitos, sem nunca mais nos usar”.
Oswald Chambers escreveu: “Se você der a Deus o direito de controlar sua vida, Ele fará de você um experimento santo. E os experimentos d’Ele sempre dão certo”. Com toda certeza isso se aplica ao Irmão Yun. Desde que se encontrou com Jesus Cristo, ele vem se empenhando em servi-Lo de todo o coração. Conhecer suas experiências e aprendizado pode servir de encorajamento para cristãos – de qualquer parte do mundo – que estejam empenhados em seguir o Senhor Jesus.
O testemunho do irmão Yun reflete a fidelidade e a bondade de Deus. Mostra que o Senhor pegou um garoto faminto de uma vila pobre da Província de Henan, na China, e o usou para abalar o mundo. E em vez de se fixar nos muitos milagres ou nos sofrimentos que presenciou e experimentou, Yun prefere contemplar o caráter e a beleza de Jesus Cristo. Deseja que todo o mundo conheça Jesus como ele conhece, não como uma figura histórica e distante, mas como o Deus Todo-Poderoso, capaz de todas as coisas, sempre presente, cheio de amor.
Alguém disse: “Não são os grandes homens que transforma o mundo, mas sim os fracos, nas mãos de um Grande Deus”.
Quem conhece o Irmão Yun sabe que ele é um servo humilde de Deus, que não deseja que nada em sua vida traga glória para si mesmo nem para qualquer outro homem.
O Irmão Yun deseja que sua história conduza toda atenção e toda glória para o Único Homem do Céu – o Senhor Jesus Cristo.



Irmão Yun

O problema do sofrimento

Há certo paradoxo no Cristianismo acerca da tribulação. Abençoados são os pobres, mas por meio do ‘julgamento’ (isto é, da justiça social) e dos donativos devemos eliminar a pobreza onde quer que seja possível. Abençoados somos quando perseguidos, mas podemos evitar a perseguição voando de uma cidade para outra e podemos orar para ser poupados dela, tal como o Senhor orou no Getsêmani. No entanto, se o sofrimento é bom, não deve ser buscado, em vez de evitado? Respondo que o sofrimento não é bom em si mesmo. O que é bom em toda experiência de sofrimento é, para o sofredor, sua submissão à vontade de Deus e, para os espectadores, a compaixão despertada e os atos de clemência que a ela conduz.

O problema de evitar o sofrimento admite uma solução semelhante. Alguns ascetas aplicavam a tortura a si mesmos. Como leigo, não tenho opinião a dar sobre a prudência de semelhante costume, a tortura em si mesma é coisa bem diversa da tribulação enviada por Deus. Todos sabem que o jejum é uma experiência diferente de se perder o jantar por acidente ou em virtude da pobreza. O jejum afirma a vontade contra o apetite, sendo a recompensa o autodomínio, e o perigo, o orgulho. A fome voluntária subjuga a vontade e o apetite humanos à vontade Divina, propiciando ocasião para a submissão e nos expondo ao perigo da revolta. Mas o efeito redentor do sofrimento repousa, sobretudo, na tendência que ele tem de minorar a vontade rebelde. As práticas ascéticas, que fortalecem a vontade, só são úteis na medida em que facultam à vontade colocar a própria casa (as paixões) em ordem, numa preparação para oferecer o homem em sua totalidade a Deus. Elas são necessárias como meio: como fim, seriam abomináveis, pois, ao substituir a vontade pelo apetite e ali parar, apenas trocariam o eu animal pelo eu diabólico. Por essa razão é que já se disse que “só Deus pode mortificar”. A tribulação atua em um mundo – e pressupõe um mundo – em que os seres humanos comumente estão buscando, por meios legítimos, evitar seu mal natural e conseguir o bem natural. Se quisermos submeter a vontade a Deus, devemos ter uma vontade forte, e esta por sua vez deve ter propósitos. A renúncia cristã não é o mesmo que a “Apatia” estóica, mas uma certa prontidão para escolher a Deus, e não objetivos inferiores, que são em si mesmos legítimos. Por isso é que o Homem Perfeito levou ao Getsêmani uma vontade – e uma vontade forte – de escapar ao sofrimento e à morte, caso essa fuga fosse compatível com a vontade do Pai, aliada a uma perfeita prontidão para a obediência se assim não fosse. Alguns recomendam uma “total renúncia” no início do discipulado, mas creio que isso possa significar apenas uma total prontidão para toda renúncia em particular que possa ser exigida, pois não seria possível viver de momento em momento sem querer nada além da submissão a Deus como tal. O que seria a matéria da submissão? Pode parecer contraditório afirmar: “O que quero é submeter o que quero à vontade de Deus”, pois o segundo “o que” carece de conteúdo. Indubitavelmente, todos dispensamos cuidados em demasia para evitar o sofrimento, porém a intenção devidamente subordinada de evitá-lo, por meios legítimos, está em conformidade com a “natureza”, isto é, com todo o sistema de operação da vida de uma criatura para qual a obra redentora da tribulação é calculada.

C.S. Lewis

quinta-feira, 22 de março de 2012

A estranha genealogia de Jesus

“Esses são os ascendentes de Jesus Cristo, nascido na família do rei Davi e de Abraão. Abraão foi pai de Isaque, Isaque pai de Jacó, Jacó pai de Judá e de seus irmãos. Judá foi pai de Perez e Zerá, a mãe dos dois foi Tamar. Perez foi pai de Esrom, Esrom foi pai de Arão; Arão foi pai de Aminadabe; Aminadabe foi pai de Naassom; Naassom foi pai de Salmom; Salmom foi pai de Boaz, a mãe dele foi Raabe; Boaz foi pai de Obede, a mãe dele foi Rute, e Obede foi pai de Jessé; Jessé foi pai do rei Davi; Davi foi o pai de Salomão e a viúva de Urias foi a mãe dele. Salomão foi pai de Roboão; Roboão foi pai de Abias, e Abias foi pai de Asa.” Mt 1: 1 a 7.

Há pelo menos três motivos pelos quais nós lemos esse texto, pelos quais está inserido na Bíblia. A primeira razão é porque Deus, através desse texto, mostra Sua fidelidade. Mostrando que a promessa que Ele fez a Davi, que se chamou o pacto de Davi, Ele cumpriu.
A segunda razão é que Deus inseriu nesse texto o nome de algumas mulheres. A genealogia de Jesus está escrita e registrada em Mateus e em Lucas, porque Deus sempre Se preocupou em dar às mulheres um lugar de proeminência já que Ele sabia que nas regiões onde a Bíblia foi escrita as mulheres não tinham um papel como têm hoje. Elas estavam realmente relegadas a um plano secundário, a um plano inferior. Então, o Senhor fez questão de mostrar que, ainda que Ele tivesse criado a mulher a partir do homem, a mulher não nasceu para ser escrava do homem, não nasceu para ser esquecida pela humanidade. A mulher é instrumento de Deus para procriação da raça, para dar continuação a raça.
E o Senhor colocou, pelo menos, quatro mulheres aqui para mostrar para todos nós que a mulher tem um papel muito importante na nossa vida e muito importante para o próprio Deus. Foi através da mulher que entrou o pecado no mundo, mas foi a mulher também que pregou a maior mensagem que o mundo já viveu. Quando o Senhor ressuscitou não foi Pedro, nem João, nem Mateus, nem Lucas, nem Paulo que teve o primeiro contato com Jesus. Jesus Se apresentou a uma mulher. E o Senhor falou para ela: “você vai e conta pra todo mundo” e ela contou. E assim como o pecado entrou no mundo através da mulher a maior notícia de todos os tempos, a Vida disponível a nós, também entrou através da mulher. Foi Maria que deu a notícia, aos discípulos e a todos nós, de que o Senhor está vivo.
Não são só por esses motivos que quero falar sobre a genealogia de Jesus. O mais importante dos motivos é que o Senhor inseriu aqui algumas pessoas que jamais fariam parte da genealogia se dependesse do povo judeu, se dependesse dos escribas, dos fariseus, dos sacerdotes. O Senhor diz no versículo 3: “Judá foi pai de Perez e Zerá, e a mãe deles dois foi Tamar”. Quem foi Tamar? Tamar foi uma mulher que só pela Graça de Jesus aparece Sua na genealogia.
Primeiro essa genealogia fala dos homens e não das mulheres: tal homem gerou a tal homem, que gerou a tal homem que gerou a tal homem. Os homens assumiam o trono.
Por que o Senhor fez questão de dizer: “Judá foi pai de Perez e Zerá, e a mãe deles dois foi Tamar”? Porque Tamar era nora de Judá e, naquela época, se uma mulher ficasse viúva e não desse filhos ao seu marido antes dele morrer ela tinha que, obrigatoriamente, casar com um cunhado para dar linhagem a este homem, para que a memória dele não se apagasse. Então, quando Tamar ficou viúva ela tinha que esperar que seu cunhado chegasse a idade em que pudesse se casar, e ela estava esperando. Vou resumir bem a história para os irmãos. Um dia o seu sogro estava numa roda de varões nobres e honrados, e passando numa cidade diferente buscou uma prostituta. Tamar sabendo que o cunhado já tinha idade e não lhe era por marido, se cobriu passando por prostituta, e ele esteve com a própria nora, sem o saber, e não tendo dinheiro para pagar pelo serviço deixou seu bastão com ela até que mandasse o dinheiro. E Tamar se achou grávida do sogro. Quando chegou a notícia a Judá de que a sua nora indevidamente engravidou, sendo viúva e sem ter marido nenhum, ele foi o primeiro a chamá-la numa roda e falou da lei que diz que se uma mulher na condição dela aparecesse grávida tinha que ser apedrejada. A única coisa que Tamar disse foi: “Antes que me apedrejem eu gostaria de fazer conhecer o pai da criança que vai morrer comigo agora. Ele nem sequer me pagou, mas ele é dono desse bastão, ficou de voltar pra me pagar o serviço e até hoje não pagou”. E, quando ela mostra o bastão Judá caiu em si e disse: “Eu sou mais pecador que a minha nora que eu queria apedrejar e matá-la pelo pecado cometido. Eu sou mais pecador que ela”.
Os judeus colocariam Judá na trajetória até Jesus, mas jamais Tamar, mas como quem escreveu a Palavra foi o Senhor, porque a Bíblia é a Palavra de Deus, fez o Senhor questão de inserir, aqui no meio, uma mulher marginalizada, uma mulher que engravidou indevidamente, uma mulher a margem da sociedade, uma mulher que estava a ponto de ser morta pela lei, mas escapou e seu nome colocado na genealogia.
Diz: “Judá foi pai de Perez e Zerá”. Veja o que aparece na linhagem de Jesus, irmãos, dois homens que são filhos do sogro com a nora num incesto, numa questão que até hoje gera tanto reboliço. Naquela época isso aconteceu, mas Deus permitiu que isso aparecesse no texto sagrado com um propósito específico.
Adiante diz: “Salmom foi pai de Boaz, mas a mãe dele foi Raabe”. Quem foi Raabe? Foi uma escriturária nobre do distrito de Israel? Essa mulher foi uma governanta? Foi uma profetisa? Quem foi Raabe? Raabe foi uma mulher prostituta profissional da cidade de Jericó.
Deus deu ordem que Jericó fosse derrubada. Deus falou: “Vou entregar Jericó nas mãos de vocês: na verdade, já entreguei, vocês têm simplesmente que tomar posse”. E, quando os espias foram para saber como estava a situação antes de atacarem Jericó, essa mulher que vivia numa casa nas muralhas da cidade ouviu a notícia. Naquela época não tinha jornal nem revista como tem hoje, mas as notícias do que Deus tinha feito no Egito tinham chegado a Jericó. Ela ouviu a notícia e disse: “Israel está vindo aí e o Deus dele arrasa com tudo que fica no Seu caminho. Eles vão acabar com a gente”. E essa mulher escondeu em sua casa os espias que vieram para ver Jericó.
Eles estavam em Jericó, foram descobertos e enquanto fugiam ela os chamou para sua casa. Eles entraram na casa da prostituta e ela os escondeu no telhado, depois que passaram aqueles que os estavam procurando disse: “vocês podem ir embora agora, estão livres, mas não esqueçam, quando vocês tomarem a cidade, eu quero ser poupada porque eu sei o Deus que vocês servem”. E fizeram um acordo com um fio de escarlate. Disseram: “coloque na sua janela uma fita vermelha e nós vamos poupar o povo que estiver dentro de sua casa”.
Ainda hoje aqueles que são nossos familiares e entram debaixo da fita vermelha do Sangue de Jesus são tão abençoados como foi a família de Raabe. Raabe chamou sua família e disse: “só na minha casa há garantia de salvação, essa cidade vai ser destruída”. Raabe, a prostituta, quando o povo de Israel passou como um tanque, como um rolo compressor, e acabou com Jericó, Raabe acompanhou a procissão do povo de Israel, aqueles milhões de pessoas e foi com eles. Ela não era israelita, ela era uma mulher de Jericó, era uma prostituta, mas o Senhor colocou essa mulher no meio do povo. E no meio do povo ela conheceu um homem e a Bíblia diz: “Salmom foi pai de Boaz, mas a mãe dele foi Raabe”. Uma mulher que não tinha nada a ver com o povo de Israel e os judeus jamais colocariam o nome dela na história de Jesus, na história do Messias. Mas Raabe entrou porque Deus tinha um propósito específico nisto, não só o de abençoar uma mulher e registrar o nome dela, mas de colocar uma mulher de má reputação, conforme os comentários dos homens, uma mulher mau vista na sociedade, o Senhor a colocou na ascendência de Jesus.
Mas o texto continua: “Boaz foi pai de Obede, mas a mãe dele foi Rute”. Quem foi Rute? Rute não foi uma israelita, Rute foi uma moabita. Os moabitas descendiam dos filhos das filhas de Ló. Os irmãos sabem que Ló saiu de Sodoma viúvo e com duas filhas solteiras. As filhas embebedaram Ló na caverna e se deitaram com ele. Ló teve um filho com cada filha. Daí nasceram Edom e Moabe que Ló não sabia se chamava de filho ou de neto porque eram filhos dele, mas eram filhos das filhas dele. E esses dois povos que saíram dessa relação incestuosa entre Ló e suas duas filhas deram origem aos moabitas. E no meio dos moabitas estava Rute.
Noemi foi habitar, com seu marido e seus dois filhos, em Moabe. Lá, um de seus filhos casou com Rute. Depois Rute ficou viúva e voltou com a sogra que também ficara viúva pra morar de novo em Belém. E quando foi morar em Belém... estrangeira e expatriada, ela foi trabalhar nos campos colhendo o que caía da cesta dos colhedores. E aquele homem, Boaz, que era dono da plantação, se apaixonou por ela e se casou com Rute e Rute veio a entrar na genealogia de Jesus. Uma estrangeira, nascida de um povo estranho um povo inimigo do povo de Israel, um povo marginalizado, Deus trouxe para a genealogia de Jesus.
E: “Obede foi pai de Jessé”. E Jessé? “Jessé foi o pai do rei Davi, e Davi foi pai de Salomão da viúva de Urias”. A Bíblia fala no nome de Urias na genealogia de Jesus. Urias foi um dos valentes de Davi, um dos homens de confiança de Davi. Ele estava disposto a morrer para defender Davi. Quando Urias foi à guerra Davi se apaixonou pela mulher dele.
Primeiro Davi não sabia quem ela era. Davi viu uma mulher se banhando e se apaixonou, mandou que ela viesse, trouxeram a mulher, Davi esteve com ela. A mulher voltou pra casa, tudo combinado, está tudo certo, o pecado está debaixo do tapete, ninguém viu. O rei pecou, mas ninguém falaria nada... todo mundo estava na guerra. Mas depois ela mandou uma notícia: “estou grávida. Como vamos fazer?” Davi, então, se informa: “quem é esta mulher?” “Ela é mulher de um capitão, do comandante, ele é um dos homens de confiança do rei. É a mulher de Urias”. “Onde está Urias?” “Urias está na guerra”. E Davi, do adultério que havia cometido, passou pra outro abismo. Ele, então, providenciou a morte de Urias, para que morresse como um herói de guerra. E quando Urias morreu e chegou a notícia Davi lamenta: “que pena... morreu Urias... Já que morreu... a viúva está aí, tadinha... manda que venha de uma vez” E a viúva de Urias foi morar no palácio como uma nova esposa de Davi. Tudo resolvido. Betseba foi morar no palácio. Tudo resolvido, quem iria se levantar contra Davi porque agora ela era viúva. Ele estava protegendo uma viúva grávida. Que homem bom! Que coração generoso! Tudo funcionando bem... mas Deus mandou uma visita pra Davi, dessas visitas que nós não gostamos de receber.
O profeta Natã um dia incomodado pelo Senhor, foi lá visitar Davi. Davi pensava que todo mundo já tinha esquecido... Mas, irmãos, nós pensamos que o tempo apaga os pecados, ele não apaga os nossos pecados, só a confissão ao Senhor e o conseqüente perdão é que apaga os nossos pecados. A Bíblia diz que o Senhor garante que Ele não Se lembrará de nossos pecados se eles forem confessados. Mas Davi não tinha confessado, ele tinha ‘arrumado’ as coisas. Agora, chegou Natã.
Natã era profeta ‘chapa branca’, entrava no palácio a hora que quisesse. Entrou e encontrou Davi contente: “A que devo a visita?” “Eu vim pra conversar um pouco...” E contou um caso da cidade: “Preciso de sua ajuda. Há um homem que tinha uma ovelhinha só e o visinho dele tinha muitos animais. Mas o visinho, que tinha tantos animais, mandou matar a única ovelhinha que o homem tinha”. E Davi: “Isso não pode ficar impune! Esse homem tem que morrer, me dá o nome dele que eu vou tomar as devidas providências”. E Natã: “Vou dar o nome agora, anota aí: D-A-V-I, Davi”. “Como é o nome?” “Davi”. Não preciso contar o resto da história. Davi caiu em si porque Natã disse: “Tu és o homem”.
Esquecendo um pouco de Davi e de Natã... Irmãos, Urias, que morreu por causa de uma mulher sem escrúpulos e de um rei igualmente sem escrúpulos, Deus obrigou Mateus a registrar que “Jessé foi o pai de Davi, mas Davi foi o pai de Salomão da viúva de Urias”. Deus registrou o nome de Urias na genealogia: “Não vai passar em branco”.
Deus colocou Tamar que ficou grávida do sogro. Deus colocou Raabe, uma prostituta profissional, na ascendência de Jesus. Deus colocou Rute, uma descendente dos moabitas. E Deus colocou Betseba, uma mulher que foi esposa de um dos capitães de Davi a quem usou e depois matou seu marido pra que pudesse estar com ela.
Como essas mulheres de uma vida tão duvidosa fazem parte da genealogia de Jesus que nos salvou, que morreu por nós e que hoje nos presenteia com Sua presença aqui? Primeiro para nos mostrar o pacto com Davi. Segundo pra dar honra às mulheres.
Mas a maior razão é que o Senhor quer que saibamos que assim como Ele usou pessoas indignas para fazerem parte da genealogia do Messias, Ele usa algumas pessoas indignas, como eu e você, pra fazer a história da humanidade. O Senhor usa pessoas como eu e você que não temos um registro tão abençoado, não temos uma genealogia tão nobre... quem sabe tenhamos histórias de famílias problemáticas? Que venhamos de situações que não valham a pena serem lembradas? Assim como inseriu pessoas de histórias duvidosas na genealogia de Jesus, por essa mesma Misericórdia, o Senhor usa a mim e usa a você para que nós venhamos a fazer parte da história que Ele está escrevendo hoje em nossas vidas.
Não importa da onde você vem. Talvez você diga que é estrangeiro. Deus usou uma moabita como Rute para fazer parte da genealogia de Jesus. Talvez você diga que ninguém sabe da onde você vem e das coisas que você fez nesta terra. Foi assim com Raabe, todos quando a olhavam lembravam da prostituição. Ela não fazia por gostar, era por necessidade, ela vivia daquilo e Deus colocou uma prostituta profissional pra participar da genealogia do Messias.
O Messias Puro, que morreu por nós e que hoje está aqui, Ele não tem, irmãos, uma ascendência muito digna segundo valores sociais. Quando você lê a genealogia de Jesus se pergunta: como esse povo pode estar aqui? É por isso que os judeus ainda engasgam quando falamos que Jesus é o Messias. Porque como pode vir um Messias de uma linhagem tão problemática como esta? De gente como Rute, que era moabita, de gente como Raabe, que não era israelita e ainda era prostituta. De gente como Tamar que foi engravidada pelo sogro. Como Deus pode aceitar um negócio desses? Pode, assim como nos aceita hoje, por Sua Misericórdia. Quem sabe você não é conhecido hoje, mas amanhã alguém vai dizer a seu respeito, vai lembrar de seu nome, ainda que você tenha um histórico meio duvidoso, meio problemático. Deus, por Sua Misericórdia, ainda está disposto a usar nossas vidas. Isso é o que se chama Misericórdia!
Nós não sabemos os planos que Deus tem, mas uma coisa nós sabemos: Deus tem caminhos completamente diferentes dos nossos. Na lista de Deus entra gente que, pela Sua Misericórdia, Ele deseja usar. Gente que esteja mais preocupada em ser útil nas Mãos de Deus do que passar os diplomas que tem, de mostrar a família de onde veio, dos lugares de onde saiu.
Há um profundo desejo no coração de Deus em usar nossas vidas de uma maneira que nem imaginamos. “Como Deus vai usar minha vida?” Assim como os presidiários pegam fósforos queimados e unem um aos outros e colam e fazem portas jóias tremendamente bonitos... Não sei se vocês já viram os porta jóias que os presidiários fazem? Eles fazem uma pintura tão linda... fósforos queimados se tornam porta jóias. É o que Deus faz conosco. Nós somos, muitas vezes, fósforos queimados pra sociedade. O Senhor nos une, nos junta uns aos outros, e nós viramos um porta jóias. O Espírito Santo, que é a maior riqueza que podemos ter, habita dentro de nós.
Eu li, ontem, um comentário do pr Caio Fábio dizendo: “na realidade a única coisa que existe é o hoje, porque do ontem só restam fotografias e memórias boas ou ruins; ninguém tem acesso ao passado, ele pode ter feito bem ou mal a nós, mas não temos acesso a ele; e o nosso futuro nenhum de nós tem garantia de que vai viver”. Nós temos planos. Tiago falou da falibilidade dos planos humanos: “amanhã eu vou fazer... eu vou negociar...” nenhum de nós sabe se vai estar vivo amanhã. Mas o hoje está em nossas mãos, e hoje é o dia que o Senhor nos deu. Por isso falou: “nos alegremos e nos regozijemos n’Ele, esse é o dia que o Senhor nos deu”. Essa é a nossa hora, o nosso dia, é a hora em que o Senhor que usá-lo. Por que? Por que você é bomzinho? Por que tem família nobre? Não! Porque Deus é Misericordioso. Jeremias escreveu: “As Misericórdias do Senhor são a causa de não sermos consumidos”. É a Misericórdia do Senhor que quer usar você pra fazer diferença nesta cidade, neste país, nessa nação e no mundo inteiro. Por Misericórdia Deus quer usar você, só precisa que você diga: “Senhor, independente de meu passado, de meu histórico, do meu sobrenome entrego minha vida em suas mãos, usa-a como Tu quiseres”.

Jason Sousa