domingo, 25 de março de 2012

O problema do sofrimento

Há certo paradoxo no Cristianismo acerca da tribulação. Abençoados são os pobres, mas por meio do ‘julgamento’ (isto é, da justiça social) e dos donativos devemos eliminar a pobreza onde quer que seja possível. Abençoados somos quando perseguidos, mas podemos evitar a perseguição voando de uma cidade para outra e podemos orar para ser poupados dela, tal como o Senhor orou no Getsêmani. No entanto, se o sofrimento é bom, não deve ser buscado, em vez de evitado? Respondo que o sofrimento não é bom em si mesmo. O que é bom em toda experiência de sofrimento é, para o sofredor, sua submissão à vontade de Deus e, para os espectadores, a compaixão despertada e os atos de clemência que a ela conduz.

O problema de evitar o sofrimento admite uma solução semelhante. Alguns ascetas aplicavam a tortura a si mesmos. Como leigo, não tenho opinião a dar sobre a prudência de semelhante costume, a tortura em si mesma é coisa bem diversa da tribulação enviada por Deus. Todos sabem que o jejum é uma experiência diferente de se perder o jantar por acidente ou em virtude da pobreza. O jejum afirma a vontade contra o apetite, sendo a recompensa o autodomínio, e o perigo, o orgulho. A fome voluntária subjuga a vontade e o apetite humanos à vontade Divina, propiciando ocasião para a submissão e nos expondo ao perigo da revolta. Mas o efeito redentor do sofrimento repousa, sobretudo, na tendência que ele tem de minorar a vontade rebelde. As práticas ascéticas, que fortalecem a vontade, só são úteis na medida em que facultam à vontade colocar a própria casa (as paixões) em ordem, numa preparação para oferecer o homem em sua totalidade a Deus. Elas são necessárias como meio: como fim, seriam abomináveis, pois, ao substituir a vontade pelo apetite e ali parar, apenas trocariam o eu animal pelo eu diabólico. Por essa razão é que já se disse que “só Deus pode mortificar”. A tribulação atua em um mundo – e pressupõe um mundo – em que os seres humanos comumente estão buscando, por meios legítimos, evitar seu mal natural e conseguir o bem natural. Se quisermos submeter a vontade a Deus, devemos ter uma vontade forte, e esta por sua vez deve ter propósitos. A renúncia cristã não é o mesmo que a “Apatia” estóica, mas uma certa prontidão para escolher a Deus, e não objetivos inferiores, que são em si mesmos legítimos. Por isso é que o Homem Perfeito levou ao Getsêmani uma vontade – e uma vontade forte – de escapar ao sofrimento e à morte, caso essa fuga fosse compatível com a vontade do Pai, aliada a uma perfeita prontidão para a obediência se assim não fosse. Alguns recomendam uma “total renúncia” no início do discipulado, mas creio que isso possa significar apenas uma total prontidão para toda renúncia em particular que possa ser exigida, pois não seria possível viver de momento em momento sem querer nada além da submissão a Deus como tal. O que seria a matéria da submissão? Pode parecer contraditório afirmar: “O que quero é submeter o que quero à vontade de Deus”, pois o segundo “o que” carece de conteúdo. Indubitavelmente, todos dispensamos cuidados em demasia para evitar o sofrimento, porém a intenção devidamente subordinada de evitá-lo, por meios legítimos, está em conformidade com a “natureza”, isto é, com todo o sistema de operação da vida de uma criatura para qual a obra redentora da tribulação é calculada.

C.S. Lewis

Nenhum comentário: