“Tendo eles chegado a Cafarnaum,
dirigiram-se a Pedro os que cobravam o imposto das duas dracmas e perguntaram:
Não paga o vosso Mestre as duas dracmas? Sim, respondeu ele. ao entrar Pedro em
casa, Jesus se lhe antecipou, dizendo: Simão, que te parece? De quem cobram os
reis da Terra impostos ou tributos: dos seus filhos ou dos estranhos? Respondendo
Pedro: dos estranhos. Jesus então disse: logo, estão isentos os filhos. Mas,
para que não os escandalizemos, vai ao mar, lança o anzol, e o primeiro peixe
que fisgar, tira-o; e, abrindo-lhe a boca, acharás um estáter. Toma-o e
entrega-lhes por Mim e por ti.”. Mt 17: 24 a 27.
... O imposto
foi apenas a ilustração. Pensem nos outros impostos.quem tem marido, tem imposto
(o nome é “imposto” porque o negócio é imposto). Quem tem mulher também tem
imposto – tem muita coisa que a mulher impõe também. Quem tem pai, tem imposto.
Quem tem filhos, cada vez mais tem um imposto, também. Nós temos muitos
impostos: impostos psicológicos, impostos afetivos. Quanta cobrança afetiva,
quanta coisa absurda! E nós entregamos, não com a consciência de quem tem
direitos. Quem tem direitos, na maioria das vezes, não entrega. Quem reconhece
o direito de quem cobra, esse paga – ainda que não concorde. Mas quem entrega,
de fato transcendeu a quem cobra, transcendeu ao sentido da cobrança, reconhece
apenas uma pequenez instituída como dogma. E ama o suficiente para ver que as
mentes não passam de determinados limites. E é por amor que ele entrega. Mas essa
não é uma lei que o fará tornar-se dependente nem doente de idiotices que estão
para além de qualquer razoabilidade; há um limite. Há uma hora em que o próprio
Pedro aprendeu a dizer: “Antes importa obedecer a seus do que aos homens”. Mas enquanto
esse encontro limítrofe não se estabelece, existe uma jornada relativamente
longa de concessões da misericórdia, de renúncias da consciência, de
alongamentos e longanimidades praticadas por causa do reconhecimento da
incapacidade do outro.
O que Paulo
veia a expandir em Rm 14, em 1co 8 e 10, e o que Tiago veio a transformar numa
epístola está tudo resumido no espírito do Evangelho, nessa passagem, nesse
episódio, que nos ensina a ser discípulos de Jesus sem perder a doçura, sem
perder o amor, sem achar que está dando dinheiro como um otário para calhordas;
mas transformando tudo numa oferta, transformando tudo numa entrega,
transformando tudo num culto, enquanto a conveniência do outro não cresceu o
suficiente para entender os novos significados.
Quem aprende
isso e não restringe apenas à ilustração do imposto, estende a consciência dessa
percepção para todas as outras dimensões da vida, para todos os outros
impostos. Quantos impostos pagamos e que não são em dinheiro?! São impostos de
atenção, são impostos em consideração, são os impostos que a juventude tem de
pagar à velhice. Então, não pague; ofereça.
Quanto mais
eles forem pagamentos, mais obedientemente amargurados seremos. Quanto mais
forem ofertas, mais nos gerarão a gratidão de saber que é um privilégio ter
entendido o que entendemos. Que é um privilégio, em tendo entendido tudo o que
entendemos, não usar isso contra o próximo e nem contra nós, como surto de
superioridade sobre a suposta pequenez da compreensão do outro. É um privilégio
fazer isso sabendo que, para essa entrega em amor, haverá sempre graça e
suprimento de Deus para nós. E é um privilégio aprender com Jesus a diferença
entre fazer por causa da consciência, da conveniência e da edificação, e fazer
por causa da burrice, da alienação e da não-reflexão. É um privilégio aprender
com Jesus que fazemos porque entendemos que é melhor fazer por causa daqueles
que não sabem o que fazer se nós não fizermos.
O princípio que
está em operação é o de um amor que se aplica às limitações e à compreensão da consciência
do outro.
Quem não
aprender a ter esse olhar, se amargurará. O discípulo que não tiver esseolhar
se tornará judicioso, legalista do Evangelho, se tornará aquele cara com fome e
sede de justiça, não conforme a justiça do Evangelho, mas conforme a justiça do
sindicato, que não tem, necessariamente, nada a ver com a justiça do Evangelho.
O indivíduo que
não aprender isso vai ler o Sermão do Monte não como um desafio para ele ser
gracioso na vida; vai ler o Sermão do Monte como um instrumento de cobrança em
relação aos outros, e não de percepção de si mesmo. Quem não entender isso vai
sofrer muito, se frustrar muito, se magoar muito, vai desenvolver muitas
infantilidades. E vai sempre perguntar: por que, Senhor? Por que eu, que sou
Teu filho, estou tendo que pagar isso? Por que eu, que sou Teu filho, tenho que
me submeter a isso? Por que eu, que sou Teu filho, tenho de viver no meio desse
absurdo?
Filho de Deus
tem de ter o mesmo sentimento que houve em Cristo Jesus. e se no nosso caminho
como discípulo não aprendermos que a vereda passa por aí, não nos prepararemos
para um dia nos oferecer, como Pedro, para ser crucificado de cabeça para
baixo. Não nos prepararemos para um dia anunciar como Paulo, que sabia que os
dias estavam contados, mas que ele tinha combatido o bom combate, completado a
carreira e guardado a fé. Ele não tinha se dedicado a nenhuma mesquinharia
desta vida, porque seu tesouro estava, de fato, no céu. Porque de fato ele não
queria se fartar da justiça dos homens, mas da Justiça de Deus.
A justiça dos
homens nos outorga direitos; a Justiça de Deus nos coroa com galardão. O discípulo
tem de escolher se ele quer ser o rei da retidão da Terra ou se ele quer ser
apenas um ser justificado, que chama Deus de Abba, Pai. Que renuncia com muita frequência,
sabendo que quanto mais ele renuncia , mais ele estoca; quanto mais ele
oferece, mais lhe é oferecido. Porque essa é a lei da vida, esse é o princípio
do Evangelho, esse é o caminho do discípulo; no meio da tirania, do casuísmo,
da arbitrariedade, do absurdo, do non-sens,
jamais será eximido de ter de andar por essa vereda. Por isso temos de aprender
a andar nela. Jesus também está dizendo: siga-Me nessa vereda do absurdo. Seja Meu
discípulo nesse caminho. Aprenda de Mim, também nessa jornada.
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