segunda-feira, 26 de agosto de 2013

Pagamento ou entrega, eis a questão!!!

“Tendo eles chegado a Cafarnaum, dirigiram-se a Pedro os que cobravam o imposto das duas dracmas e perguntaram: Não paga o vosso Mestre as duas dracmas? Sim, respondeu ele. ao entrar Pedro em casa, Jesus se lhe antecipou, dizendo: Simão, que te parece? De quem cobram os reis da Terra impostos ou tributos: dos seus filhos ou dos estranhos? Respondendo Pedro: dos estranhos. Jesus então disse: logo, estão isentos os filhos. Mas, para que não os escandalizemos, vai ao mar, lança o anzol, e o primeiro peixe que fisgar, tira-o; e, abrindo-lhe a boca, acharás um estáter. Toma-o e entrega-lhes por Mim e por ti.”. Mt 17: 24 a 27.

 
... O imposto foi apenas a ilustração. Pensem nos outros impostos.quem tem marido, tem imposto (o nome é “imposto” porque o negócio é imposto). Quem tem mulher também tem imposto – tem muita coisa que a mulher impõe também. Quem tem pai, tem imposto. Quem tem filhos, cada vez mais tem um imposto, também. Nós temos muitos impostos: impostos psicológicos, impostos afetivos. Quanta cobrança afetiva, quanta coisa absurda! E nós entregamos, não com a consciência de quem tem direitos. Quem tem direitos, na maioria das vezes, não entrega. Quem reconhece o direito de quem cobra, esse paga – ainda que não concorde. Mas quem entrega, de fato transcendeu a quem cobra, transcendeu ao sentido da cobrança, reconhece apenas uma pequenez instituída como dogma. E ama o suficiente para ver que as mentes não passam de determinados limites. E é por amor que ele entrega. Mas essa não é uma lei que o fará tornar-se dependente nem doente de idiotices que estão para além de qualquer razoabilidade; há um limite. Há uma hora em que o próprio Pedro aprendeu a dizer: “Antes importa obedecer a seus do que aos homens”. Mas enquanto esse encontro limítrofe não se estabelece, existe uma jornada relativamente longa de concessões da misericórdia, de renúncias da consciência, de alongamentos e longanimidades praticadas por causa do reconhecimento da incapacidade do outro.

O que Paulo veia a expandir em Rm 14, em 1co 8 e 10, e o que Tiago veio a transformar numa epístola está tudo resumido no espírito do Evangelho, nessa passagem, nesse episódio, que nos ensina a ser discípulos de Jesus sem perder a doçura, sem perder o amor, sem achar que está dando dinheiro como um otário para calhordas; mas transformando tudo numa oferta, transformando tudo numa entrega, transformando tudo num culto, enquanto a conveniência do outro não cresceu o suficiente para entender os novos significados.

Quem aprende isso e não restringe apenas à ilustração do imposto, estende a consciência dessa percepção para todas as outras dimensões da vida, para todos os outros impostos. Quantos impostos pagamos e que não são em dinheiro?! São impostos de atenção, são impostos em consideração, são os impostos que a juventude tem de pagar à velhice. Então, não pague; ofereça.

Quanto mais eles forem pagamentos, mais obedientemente amargurados seremos. Quanto mais forem ofertas, mais nos gerarão a gratidão de saber que é um privilégio ter entendido o que entendemos. Que é um privilégio, em tendo entendido tudo o que entendemos, não usar isso contra o próximo e nem contra nós, como surto de superioridade sobre a suposta pequenez da compreensão do outro. É um privilégio fazer isso sabendo que, para essa entrega em amor, haverá sempre graça e suprimento de Deus para nós. E é um privilégio aprender com Jesus a diferença entre fazer por causa da consciência, da conveniência e da edificação, e fazer por causa da burrice, da alienação e da não-reflexão. É um privilégio aprender com Jesus que fazemos porque entendemos que é melhor fazer por causa daqueles que não sabem o que fazer se nós não fizermos.

O princípio que está em operação é o de um amor que se aplica às limitações e à compreensão da consciência do outro.

Quem não aprender a ter esse olhar, se amargurará. O discípulo que não tiver esseolhar se tornará judicioso, legalista do Evangelho, se tornará aquele cara com fome e sede de justiça, não conforme a justiça do Evangelho, mas conforme a justiça do sindicato, que não tem, necessariamente, nada a ver com a justiça do Evangelho.

O indivíduo que não aprender isso vai ler o Sermão do Monte não como um desafio para ele ser gracioso na vida; vai ler o Sermão do Monte como um instrumento de cobrança em relação aos outros, e não de percepção de si mesmo. Quem não entender isso vai sofrer muito, se frustrar muito, se magoar muito, vai desenvolver muitas infantilidades. E vai sempre perguntar: por que, Senhor? Por que eu, que sou Teu filho, estou tendo que pagar isso? Por que eu, que sou Teu filho, tenho que me submeter a isso? Por que eu, que sou Teu filho, tenho de viver no meio desse absurdo?

Filho de Deus tem de ter o mesmo sentimento que houve em Cristo Jesus. e se no nosso caminho como discípulo não aprendermos que a vereda passa por aí, não nos prepararemos para um dia nos oferecer, como Pedro, para ser crucificado de cabeça para baixo. Não nos prepararemos para um dia anunciar como Paulo, que sabia que os dias estavam contados, mas que ele tinha combatido o bom combate, completado a carreira e guardado a fé. Ele não tinha se dedicado a nenhuma mesquinharia desta vida, porque seu tesouro estava, de fato, no céu. Porque de fato ele não queria se fartar da justiça dos homens, mas da Justiça de Deus.

A justiça dos homens nos outorga direitos; a Justiça de Deus nos coroa com galardão. O discípulo tem de escolher se ele quer ser o rei da retidão da Terra ou se ele quer ser apenas um ser justificado, que chama Deus de Abba, Pai. Que renuncia com muita frequência, sabendo que quanto mais ele renuncia , mais ele estoca; quanto mais ele oferece, mais lhe é oferecido. Porque essa é a lei da vida, esse é o princípio do Evangelho, esse é o caminho do discípulo; no meio da tirania, do casuísmo, da arbitrariedade, do absurdo, do non-sens, jamais será eximido de ter de andar por essa vereda. Por isso temos de aprender a andar nela. Jesus também está dizendo: siga-Me nessa vereda do absurdo. Seja Meu discípulo nesse caminho. Aprenda de Mim, também nessa jornada.

 Caio Fábio. O caminho do discípulo 2. Ed. Prologos

Nenhum comentário: