sábado, 14 de fevereiro de 2009

Os primeiros no Reino de Deus


Se queremos captar em toda a sua força o ensino de Jesus aqui, é importante que lembremos a atitude judaica com relação às crianças na Palestina do primeiro século. Hoje em dia, nossa tendência é idealizar a infância como a feliz idade da inocência, da despreocupação e da fé singela, mas no tempo do Novo Testamento as crianças não eram consideradas de qualquer importância e mereciam pouca atenção ou favor. Crianças naquela sociedade não tinham status algum – simplesmente não contavam. A criança era encarada com escárnio.
Para o discípulo de Jesus, “tornar-se como criancinha” significava a disposição de aceitar-se como sendo de pouca monta e ser considerado sem importância. A criancinha que é a imagem do reino é símbolo daqueles que ocupam as posições mais inferiores na sociedade, os pobres e oprimidos, os mendigos, as prostitutas e os cobradores de impostos – as pessoas que Jesus com freqüência chamava de “pequeninos” e de “últimos”. A preocupação de Jesus era que esses pequeninos não deveriam ser desprezados ou tratados como inferiores. “Vede, não desprezeis a qualquer destes pequeninos”. (Mt 18:10). Ele estava muito consciente dos sentimentos de vergonha e inferioridade deles, e por causa da sua compaixão eles eram, a seus olhos, de valor extraordinariamente grande. No que Lhe dizia respeito, eles não tinham nada a temer. O reino era deles. “Não temais, ó pequenino rebanho; porque vosso Pai Se agradou em dar-vos o Seu Reino”. (Lc12:32).

Os bebês de colo (napioi) estão na mesma condição das crianças (paidia). A graça de Deus recai sobre elas porque são criaturas insignificantes, não por causa de suas boas qualidades. Embora possam conscientizar-se de sua irrelevância, isso não significa que lhes serão concedidas revelações. Jesus atribui expressamente a felicidade deles ao bom prazer do Pai, a eudokia divina. As dádivas não são determinadas pela menor qualidade ou virtude pessoal. São pura liberalidade. De uma vez por todas, Jesus desfere um golpe mortal em qualquer distinção entre a elite e o povo comum na comunidade cristã.

O evangelho declara que, não importa quão dedicados e devotos sejamos, não somos capazes de salvar a nós mesmos. O que Jesus fez foi suficiente. À medida que nos mantemos santos pelos nossos próprios esforços como os fariseus ou neutros como Pilatos, (não damos o salto de confiança), deixamos que as prostitutas e os publicanos entrem primeiro no reino enquanto nós ficamos atrás tendo nossas supostas virtudes dissipadas de nós. As meretrizes e vigaristas entram antes de nós porque sabem que não podem salvar a si mesmos; que não têm como tornarem-se apresentáveis ou amáveis. Eles arriscaram tudo em Jesus; sabendo que estavam muito aquém dos requisitos, não foram orgulhosos demais para aceitar a esmola da graça admirável.
Esses pecadores, essa gente desprezada, estão mais perto de Deus do que não se vêem pecadores. Não são as meretrizes e os ladrões que acham mais difícil de se arrepender: são vocês, tão seguros da sua devoção e da sua farsa que não têm qualquer necessidade de conversão. Eles podem ter desobedecido ao chamado de Deus, podem ter sido degredados pelas suas profissões, mas demonstram tristeza e arrependimento. Mais do que tudo isso, porém, essas são pessoas que dão valor à bondade de Deus: são um paradigma do reino diante de vocês, pois elas têm o que lhes falta – uma profunda gratidão pelo amor de Deus e um profundo assombro diante da sua misericórdia.
Oremos como o rabino, Joshua Abraham Heschel:
“Querido Deus, dê-me a graça do assombro. Surpreenda-me, maravilhe-me, encha-me de assombro em cada fenda do seu universo. Conceda-me o deleite de ver como Jesus Cristo age em dez mil lugares, adorável em mãos e pernas, adorável ao Pai em olhos que não os dele, nas feições dos rostos dos homens. Arrebata-me a cada dia com suas incontáveis maravilhas. Não peço conhecer a razão de todas; peço apenas compartilhar da maravilha de todas”.


Adaptado de “O Evangelho Maltrapilho”, ed. Textus.

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