Os pastores que se voltam para as Escrituras em
busca de pedras para construir a base do seu trabalho são semelhantes àqueles
povos antigos que retornavam ao sítio de uma vila destruída. Essas histórias
são contadas com freqüência pelos arqueólogos. O local onde ficavam as vilas e
as cidades era geralmente escolhido por motivos estratégicos ou agrícolas. O
lugar tinha acesso à água ou então era fácil de ser defendido dos ataques de
nômades. De preferência, porém, tinha que atender às duas necessidades. As
casas, os santuários e os muros construídos nesses lugares eram destruídos com
bastante regularidade. Algumas vezes a destruição resultava de um desastre
natural; fogo ou terremoto; outras, de invasão militar. A cidade era, assim,
deixada em ruínas.
Mas não por muito tempo.
Por ser um bom lugar para viver, as pessoas
voltavam e a reconstruíam. A nova cidade não ficava exatamente igual à antiga.
Às vezes, os que retornavam haviam aprendido novos projetos de construção com
os filisteus, cipriotas ou egípcios e adotavam um novo estilo nas edificações.
Eventualmente tinham aprendido a melhorar as fortificações e, dessa forma,
construíam um novo muro mais largo e mais forte. Ao reconstruir, porém, usavam
o mesmo material que estava ali – as velhas pedras que haviam servido de base
para a outra cidade. As construções ficavam no mesmo lugar de antes. Ao estudar
essas camadas de edificações, os arqueólogos encontram os mesmo padrões de
construção presentes no fundamento e as mesmas pedras por vezes sem conta,
usadas nele, por gerações sucessivas de habitantes.
Os que são chamados para o trabalho pastoral no
presente momento da história estão, a meu ver, em posição muito semelhante à
daqueles povos antigos que, depois de um período de destruição, voltavam
seguindo suas próprias pegadas, até chegarem às ruínas. Como aqueles povos de
outrora, os pastores de hoje perguntam como conseguirão reconstruir tudo. De
fato, o ofício e as tradições pastorais foram tão golpeados que se tornaram
irreconhecíveis.
Onde está, por exemplo, a visitação pastoral
eficaz de Richard Baxter? E a sabedoria que vemos na correspondência de Samuel
Rutherford? Onde foi parar a “paixão pela paciência”, um dos requisitos para o
pastorado que aparece em Newman, no oratório de Birmingham? Em lugar de tratar
dos aspectos próprios da visitação pastoral, nosso treinamento enfatiza como ir
ao encontro das massas, com a prática de um evangelismo que desconsidera o nome
das pessoas e carrega a promessa de que os bancos da igreja estarão repletos no
domingo. Em vez de cartas cheias de conselhos espirituais, criamos slogans
destinados à comunicação de massa. Em vez de demonstrar exemplos de paciência,
promovemos conversas animadas e gritamos como líderes de torcida para estimular
o espírito da congregação...
Não somos, porém, os primeiros a ficar de pé sobre
as ruínas perguntando onde colocar cada pedra para efetuar a reconstrução. O
ensino acerca do trabalho pastoral é uma colina de altura considerável em meio
à planície do ministério. As camadas que a formaram são nítidas; há a camada
agostiniana, a franciscana, a luterana, a calvinista, a metodista, a
kierkegaardiana, todas usando pedras bíblicas. O que não devemos fazer de modo
algum é sair por aí à procura de outro lugar para construir a cidade. A reedificação tem que acontecer no terreno
bíblico, a fundação tem que ser composta por pedras das Escrituras.
Há uma quantidade imensa de documentos bíblicos à
disposição para a realização dessa tarefa. O livro de Deuteronômio, por
exemplo, foi usado mais de uma vez. Esse documento reuniu as tradições dos patriarcas
e do Êxodo, redimensionou-as para fazê-las funcionar num novo ambiente e teve
utilidade pastoral na comunidade messiânica, a igreja. E há outros.
Entre esses outros, um material mais modesto é o Megilloth, os cinco rolos da Bíblia
hebraica que conhecemos pelos nomes de Cântico dos Cânticos, Rute, Lamentações,
Eclesiastes e Ester. Talvez estes sejam, de todos os livros da Bíblia, os menos
pretensiosos. Nenhum deles tem ares de grandeza...
Não se trata de tentar encaixar a vida pastoral
moderna em um molde antigo a fim de dar-lhe um formato bíblico. Antes, é o
esforço para permanecer em contato com a vitalidade do bom trabalho pastoral
tão evidente no material bíblico, para depois colocá-la em uso no presente.
A reciclagem das Escrituras é, em si, um processo
bíblico. Tanto dependiam da tradição quanto tinham liberdade dentro dela. Cada
página das Escrituras mostra que isso de fato aconteceu e, em alguns casos,
revela como aconteceu. Por exemplo: o jeovismo adotou e remodelou o conceito do
“deus dos pais”; Isaías pregou e desenvolveu as tradições de Sião e Davi sob
novas formas; Deuteronômio usou, de modo novo e original, a experiência do
Êxodo e a liderança de Moisés. Os elementos antigos foram usados de forma
criativa na realização da promessa divina e na vocação das pessoas no presente.
Ezequiel (no capítulo 20 apresenta uma interpretação totalmente original das
veneradas tradições do Êxodo e dos eventos do deserto, para aplicá-las à
realidade do exílio do século VI a.C. praticamente todas as páginas, tanto do
Antigo quanto do Novo Testamento, mostram os resultados dessa abordagem
criativa das antigas tradições...
Há um sentido, portanto, em que todo o trabalho
pastoral se resume em redigir uma nova elaboração da pregação e do ensino das
Escrituras que os torne relevantes para a comunidade presente, combinando a
fidelidade à mensagem bíblica com a sensibilidade pastoral.
Cada um dos rolos do Megilloth trata de um aspecto específico do pastorado: como amar e
orar dentro do contexto da salvação (Cântico dos Cânticos); como desenvolver
uma identidade como pessoa de fé no contexto do julgamento redentor
(Lamentações); como desmascarar a ilusão e a fraude religiosas no contexto da
bênção providencial (Eclesiastes); e como tornar-se uma vibrante comunidade de fé
mesmo em meio à hostilidade do mundo (Ester). Nem tudo o que o pastor faz se
encaixa nessas áreas, mas uma parte considerável sim... é preciso dizer que
esses cinco rolos não são pedras angulares sobre as quais possamos edificar o
pastorado. Isso seria exigir demais deles. Contudo, também não são seixos
desprezíveis. Há neles substância e utilidade; são pedras que auxiliam na
formação da base do trabalho pastoral.
Eugene Peterson. O pastor que Deus usa. Ed.
Mundo Cristão.
A Pedra Angular é Jesus, o Cristo.