segunda-feira, 25 de março de 2013

Meu netinho e a permanência do objeto

Há vários anos, quando eu estava nos primeiros meses de meu aprendizado como avô, recebemos em casa a visita por alguns dias de meu filho Eric, minha nora Lynn e meu netinho Andrew. Fazia 25 anos que eu não experimentava um bebê dia após dia bem próximo de todos os detalhes, e então fiquei absorvendo tudo. Tinha perdido muita coisa a primeira vez; estava agora decidido a não perder nada dessa vez. Um dia, estávamos somente Andrew, sua mãe e eu na sala de estar. Lynn estava lendo um livro. Andrew vinha praticando sua versão do engatinhar fazia algumas semanas e já estava chegando perto da perfeição. Eu estava sentado no chão observando com admiração aquele corpinho executar uma série de operações musculares altamente habilidosas, exigindo a coordenação precisa de olhos, braços e pernas. Tinha uma bola de tênis que ele pegava, jogava e depois engatinhava para pegar. A bola ricocheteava lindamente das paredes e dos móveis, fornecendo o desafio e a variedade necessários para mostrar a seu avô suas habilidades altamente desenvolvidas. Naquele dia, nada que eu jamais tivesse visto num campo de beisebol ou num rinque de patinação de hóquei competia com meu interesse e admiração ao observar as proezas atléticas de Andrew no engatinhar. Isso continuou por dez ou quinze minutos; foi quando a bola rolou para debaixo de um escoadouro e desapareceu da vista dele. No momento em que a bola desapareceu, Andrew parou, sentou sobre suas fraldas e olhou ao redor procurando algo mais para fazer, como se nunca tivesse existido a bola de tênis para perseguir. Olhei para a mãe dele:
- Lynn, qual o problema com o Andrew?
Minha admiração excessiva rapidamente se havia transformado em ansiedade. Por que ele parou de ira atrás da bola? Será que estava faltando algum gene em seu DNA? Será que estaria mostrando os primeiros sinais de dislexia e um transtorno de déficit de atenção? Lynn, sem sequer perder tempo de olhar sobre o livro que tinha em mãos, disse friamente, e achei que pelo menos com um pouquinho de ar de superioridade:
- O Andrew ainda não desenvolveu a permanência do objeto.
- O que isso quer dizer?
- Significa que o que ele não consegue enxergar não existe.
Demorou alguns segundos para eu interiorizar aquilo, e então eu disse:
- Ah, eu tenho uma congregação inteira assim.

Eu nunca tinha ouvido a expressão “permanência do objeto”. Lynn e eu conversamos a respeito. Contou-me que naqueles primeiros meses como mãe praticamente tudo na vida de Andrew exigia gratificação imediata: amamentá-lo, acalmá-lo, trocar suas fraldas. Nem pensar em esperar. Não havia nenhuma realidade para Andrew a não ser aquilo que ele conseguia ver, provar, cheirar, sentir e ouvir. Para que fosse uma boa mãe, tinha de estar de corpo presente, dia e noite, noite e dia. Ela também observou que, se continuasse sendo uma boa mãe daquela maneira, a certa altura acabaria sendo uma péssima mãe.
Ela me fez ver que poderia passar de boa mãe a uma mãe má se o Andrew nunca aprendesse a tal permanência do objeto – se nunca aprendesse a lidar com sua ausência da mesma maneira que aprendera a lidar com sua presença. Se ela insistisse em ser indispensável para ele, estreitaria a vida dele a somente aquilo que ele era capaz de enxergar.

Até a estaca zero, você vive por vista; depois da estaca zero, você vive por fé. A biologia básica agora dá lugar à espiritualidade básica. Não mais restringidos pelos sentidos, pelos sentimentos e pela proximidade, somos lançados numa exploração e participação  no imenso mundo de lembranças, expectativas, esperas, confiança, crença, sacrifício, amor, lealdade, fidelidade – nenhum dos quais pode ficar circunscrito ao que você é capaz de ver e tocar. Nenhum desses elementos que constituem o que é característica e inconfundivelmente humano em nós pode ser possuído – precisa ser penetrado. A maior parte daquele que é não se encontra onde possa ser tocado, posto na boca, onde possa se envolver com seu cálido aconchego. A estaca zero é o lugar de onde começamos a aprender a viver com a presença. A palavra genérica que usamos em referência a isso é fé.
É essencial ter em mente que nossos cinco sentidos não se tornam menos importantes nesta altura; ao contrário, talvez se tornem mais importantes, pelo fato de não mais nos limitarem. Nossa vida espiritual não é menos física, sensual, imediata que nossa vida biológica, apenas não está circunscrita ao físico. Nosso corpo, em vez de ser uma prisão em que somos encarcerados em nós mesmos, são estradas abertas nas quais embarcamos numa viagem rumo ao que “Olho nenhum viu, ouvido nenhum ouviu”. A biologia não é nosso destino, como Freud queria que acreditássemos; antes, é um passe livre para provar e ver que o Senhor Jesus É Bom. Não deixamos a biologia para trás quando chegamos à estaca zero; o que fazemos é desenvolver a permanência do objeto. Não mais precisamos enxergar algo para saber que existe.

Eugene Peterson. Espiritualidade subversiva, Ed. Mundo Cristão.

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