E é por essa razão que uso a palavra “retornar” – significa retornar à estaca zero, retornar ao
lugar do maravilhamento, percebendo o infinito, adorando a Deus.
Quando chegamos pela primeira vez à estaca zero, ficamos sem
fôlego diante dos esplendores inimagináveis do infinito, os quais se
descortinam interminavelmente. É maravilhoso. E então começamos a perceber o
corolário: se existe o tal infinito, com certeza não sou eu. Sou finito. Se Deus,
então não sobra espaço para mim como deus.
A maneira principal de combatermos nossas propensões
obstinadas e direção ao narcisismo, (tentativa de se retirar da estaca zero e
retornar para a soberania espiritual do eu), e ao prometeísmo, (tentativa de
fazer desvio ao redor da estaca zero para chegar a uma espiritualidade do
infinito, controlá-la) é cultivada a humildade. Aprendendo a se nós mesmos,
mantendo-nos com os pés no chão, dando vazão à nossa natureza humana, enfiando
a mão no húmus, a matéria orgânica rica, argilosa, da qual fomos formados.
E então escutar.
Isso porque retornar à estaca zero é não somente retornar a
uma percepção de Deus, mas também a uma escuta do que Deus diz. Disse Deus. Você escutou? Escutou?
Escutar está vinculado não apenas lexicalmente (akouo e
hypakouo), mas espiritualmente a obedecer, a corresponder.
Assim, não surpreende que Deus trate conosco pelo instrumento
da linguagem. Deus fala. Para os cristãos, a espiritualidade fundamental não é
somente um substantivo, Deus, mas
também um verbo: disse (ou diz).
Minha intenção é chamar sua atenção para o óbvio, o aceito,
o básico: quando voltamos à estaca zero, escutamos, pois Deus fala.
A maior parte, embora certamente não a totalidade, das
conversas espirituais que estão sendo travadas dentro e fora das igrejas cristãs
é desse tipo. É não uma escuta de Deus; não uma resposta de Deus; não uma
crença na Palavra de Deus. É conversa fiada.
Às vezes, é uma conversa fiada muito instigante. Muitas vezes,
uma conversa fiada fascinante. Mas é nosso
comentário sobre a nossa experiência
como espiritual, não uma proclamação de como Deus Se dirige a nós a partir do
mundo do Espírito. Damos testemunho, testificamos continuamente, mas o mais comum
é falarmos de nós, não de Deus. Não é proclamação, que é a forma fundamental
assumida pela linguagem acerca de Deus, mas tagarelice e fofoca.
O livro de Jó é a revelação clássica que temos desse tipo de
coisa. Jó está de volta à estaca zero: disse Deus. Mas o substantivo, deus, e o
verbo, disse, são separados no livro de Jó por muita conversa espiritual que em
nada se relaciona com Deus. Jó não tem nenhuma dúvida de que está lidando com
Deus. Está diante do mistério – nenhuma das formas conhecidas de explicar a
vida funciona mais. Ele depara com o desconhecimento. Não se satisfaz com nada
menos que Deus falando com ele, um Deus que lhe explica como as coisas são, um
Deus que revela. E Deus de fato fala, “do meio da tempestade”, e Jó fica
satisfeito. Deus não responde a suas perguntas, não explica o mistério – mas fala.
E isso é suficiente. É sempre suficiente.
Mas a maior parte do texto de Jó é tomado com a conversa
espiritual dos conselheiros religiosos de Jó: Elifaz, Bildade, Zofar e Eliú. Quase
tudo que eles dizem é verdade. Mas, ao mesmo tempo, quase nada do que dizem é
verdade. Nada do que dizem consiste numa participação que escuta e corresponde
a Deus.
Jó não se impressiona. Ele quer Deus. E quer o Deus que
fala.
A espiritualidade cristã não fica impressionada com o
sobrenatural.
A espiritualidade cristã quer intimidade com o Deus que
fala.
Eugene Peterson. Espiritualidade subversiva. Ed.
Mundo Cristão.