sábado, 25 de maio de 2013

O Hospedeiro e Seus parasitas


Deus É Amor. Em outras palavras: “Nisto está o amor, não em que nós tenhamos amado a Deus, mas em que Ele nos amou”, (1Jo4:10). Não devemos partir do misticismo, do amor da criatura por Deus ou das maravilhosas antevisões da fruição de Deus concedidas a alguns em Sua vida na Terra. Nós partimos do verdadeiro ponto de partida – do amor como energia divina. Esse Amor-Doação.

Em Deus não há necessidade a ser preenchida, mas somente abundância querendo doar-se. A doutrina segundo a qual Deus não tinha necessidade de criar não é uma especulação escolástica. É essencial. Sem ela, dificilmente fugiríamos a uma concepção de Deus como “administrador” – um ser cuja função ou natureza é “gerir” o universo, que está para este como o diretor para a escola ou o hoteleiro para o hotel. Mas ser o Soberano do universo não é grande coisa para Deus.

Em Si mesmo, em Seu “mundo da Trindade”, Ele É Soberano de um reino muito superior. Devemos sempre nos lembrar da visão de Lady Juliana, em que Deus trazia na mão um objeto do tamanho de uma noz, e essa noz era “tudo o que foi criado”. Deus, que não precisa de nada, faz existir por amor criaturas inteiramente supérfluas para poder amá-las e aperfeiçoá-las.

Ele cria o universo já prevendo – ou deveríamos dizer “vendo”? - para Deus não existe tempo – as moscas zumbindo em torno da cruz, as costas esfoladas sendo pressionadas contra o mastro, os cravos atravessando os nervos principais, a contínua sufocação incipiente à medida que o corpo vai desfalecendo, a contínua tortura das costas e dos braços quando é içado para poder respirar. Se me permitem uma metáfora biológica, Deus é um “hospedeiro” que cria deliberadamente seus próprios parasitas – que nos faz existir para que possamos explorá-lo e “tirar vantagem” dele.

Nisso está o amor. É a imagem do Amor Absoluto, do inventor de todos os amores.

Deus comunica aos homens uma parcela de Seu próprio Amor-Doação. É diferente dos amores-Doações que Ele inseriu na natureza. Estes jamais buscam simplesmente o bem do objeto amado em vista do próprio objeto. Preferem os bens que são capazes de conceder por si mesmos, ou os que mais gostariam de receber eles próprios, ou os que se encaixam numa imagem preconcebida da vida que gostariam que o objeto vivesse.

Mas o Amor-Doação de Deus – o Amor Absoluto em ação no homem – é inteiramente desinteressado e deseja simplesmente o que é melhor para o amado. Como já foi dito, o amor-Doação natural sempre se dirige a objetos que o amante considera intrinsecamente amáveis.

Mas, no homem, o Amor-Doação de Deus lhe permite amar aquilo que não é naturalmente amável: os leprosos, os criminosos, os inimigos, os idiotas, os ressentidos, os arrogantes e os cínicos. Por fim, e num sublime paradoxo, Deus permite ao homem ter um Amor-Doação voltado para o próprio Criador. Num certo sentido, é claro, ninguém é capaz de dar a Deus nada que já não pertença a Ele: se já pertence a Ele, o que você Lhe deu? Mas, como, obviamente, podemos recusar a Deus e guardar para nós nossa vontade e nosso coração, podemos também, nesse sentido, entregá-los a Ele. São d’Ele por direito, e não existiriam por um momento sequer se deixassem de ser d’Ele, (assim como a canção é do cantor); apesar disso, Ele os tornou nossos para que possamos livremente devolvê-los a Ele: “Nossa vontade é nossa para a tornarmos Tua”.

 C.S. Lewis. Os quatro amores.

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