Deus É Amor.
Em outras palavras: “Nisto está o amor, não em que nós tenhamos amado a Deus,
mas em que Ele nos amou”, (1Jo4:10). Não devemos partir do misticismo, do amor
da criatura por Deus ou das maravilhosas antevisões da fruição de Deus
concedidas a alguns em Sua vida na Terra. Nós partimos do verdadeiro ponto de
partida – do amor como energia divina. Esse Amor-Doação.
Em Deus não há
necessidade a ser preenchida, mas somente abundância querendo doar-se. A
doutrina segundo a qual Deus não tinha necessidade de criar não é uma
especulação escolástica. É essencial. Sem ela, dificilmente fugiríamos a uma
concepção de Deus como “administrador” – um ser cuja função ou natureza é
“gerir” o universo, que está para este como o diretor para a escola ou o
hoteleiro para o hotel. Mas ser o Soberano do universo não é grande coisa para
Deus.
Em Si mesmo,
em Seu “mundo da Trindade”, Ele É Soberano de um reino muito superior. Devemos
sempre nos lembrar da visão de Lady Juliana, em que Deus trazia na mão um
objeto do tamanho de uma noz, e essa noz era “tudo o que foi criado”. Deus, que
não precisa de nada, faz existir por amor criaturas inteiramente supérfluas
para poder amá-las e aperfeiçoá-las.
Ele cria o
universo já prevendo – ou deveríamos dizer “vendo”? - para Deus não existe
tempo – as moscas zumbindo em torno da cruz, as costas esfoladas sendo
pressionadas contra o mastro, os cravos atravessando os nervos principais, a
contínua sufocação incipiente à medida que o corpo vai desfalecendo, a contínua
tortura das costas e dos braços quando é içado para poder respirar. Se me
permitem uma metáfora biológica, Deus é um “hospedeiro” que cria
deliberadamente seus próprios parasitas – que nos faz existir para que possamos
explorá-lo e “tirar vantagem” dele.
Nisso está o
amor. É a imagem do Amor Absoluto, do inventor de todos os amores.
Deus comunica
aos homens uma parcela de Seu próprio Amor-Doação. É diferente dos
amores-Doações que Ele inseriu na natureza. Estes jamais buscam simplesmente o
bem do objeto amado em vista do próprio objeto. Preferem os bens que são
capazes de conceder por si mesmos, ou os que mais gostariam de receber eles
próprios, ou os que se encaixam numa imagem preconcebida da vida que gostariam
que o objeto vivesse.
Mas o Amor-Doação
de Deus – o Amor Absoluto em ação no homem – é inteiramente desinteressado e
deseja simplesmente o que é melhor para o amado. Como já foi dito, o
amor-Doação natural sempre se dirige a objetos que o amante considera
intrinsecamente amáveis.
Mas, no homem,
o Amor-Doação de Deus lhe permite amar aquilo que não é naturalmente amável: os
leprosos, os criminosos, os inimigos, os idiotas, os ressentidos, os arrogantes
e os cínicos. Por fim, e num sublime paradoxo, Deus permite ao homem ter um
Amor-Doação voltado para o próprio Criador. Num certo sentido, é claro, ninguém
é capaz de dar a Deus nada que já não pertença a Ele: se já pertence a Ele, o
que você Lhe deu? Mas, como, obviamente, podemos recusar a Deus e guardar para
nós nossa vontade e nosso coração, podemos também, nesse sentido, entregá-los a
Ele. São d’Ele por direito, e não existiriam por um momento sequer se deixassem
de ser d’Ele, (assim como a canção é do cantor); apesar disso, Ele os tornou
nossos para que possamos livremente devolvê-los a Ele: “Nossa vontade é nossa
para a tornarmos Tua”.