terça-feira, 17 de novembro de 2009

O pastor contemplativo

A oração é a ação mais humana em que podemos nos envolver. Temos o comportamento em comum com os animais. O pensamento em comum com os anjos. A oração, atenção e reação do ser humano perante Deus, é humana.
Todas as pessoas, crentes e descrentes, que estudaram muito e cuidadosamente a singularidade da iniciativa humana concordam nesse ponto: a oração é a nossa atividade mais fundamental. A vida de oração, sua prática, está no centro da atividade humana. Observada no contexto das civilizações mundiais e estendida pelos séculos, o que se destaca é o lugar estranho que nós pastores modernos ocupamos no panorama da oração. Para nós, ela é um produto de consumo. É um item na lista da piedade, mais ou menos externo a nós, e em grande parte trivializado.
Isso realmente é estranho. Sacerdotes, gurus, profetas, curandeiros e xamãs de todos os grupos religiosos que conhecemos, se descrevem basicamente como pessoas que oram. Seu negócio é com Deus, o espírito e a alma. Responsavelmente ligados a tudo que é natural, sua meta é o sobrenatural.
É raro encontrar pastores modernos que sejam realmente contemplativos. Que abracem as disciplinas que nutrem um acesso contínuo e pronto à alma e a Deus, que se vejam como pessoas de oração dentro de uma comunidade de oração. Como foi que nos desconectamos de nossos ancestrais que tanto oravam?
A tarefa à qual me dediquei, e na qual encontrei ajuda em Jonas, é recuperar a consciência da realidade abrangente e integradora da oração – especialmente para pastores. Porque os pastores, cuja tarefa principal é ensinar pessoas a orar e orar por elas, estão tratando a oração como um ato cerimonial. Se quisermos que a santidade vocacional seja algo além do desejo piedoso, nós os pastores devemos mergulhar nas profundezas da oração...
Ainda não somos uma multidão, mas as minorias têm a fama de produzirem transformações...
Estamos procurando uma saída, ou um retorno, uma maneira de viver no que estou aprendendo a chamar de vida de santidade vocacional. A contemplação é o caminho. Pegar esse caminho – colocando um pé diante do outro com certeza e perseverança – é uma questão de grande urgência, pois o número de almas danificadas entre os que trabalham com as almas dos outros é enorme. Ainda não vi as estatísticas dos naufrágios dos que falam e agem em nome de Jesus nesse mundo de tempestades de dor e pecado (como as estatísticas anuais que temos da carnificina em nossas estradas), mas os números, se os tivéssemos, certamente nos chocariam e alertariam. No momento em que alguém assume o trabalho que lida com nossos semelhantes no centro e no fundo do ser, onde Deus , pecado e santidade são questões principais, ficamos sujeitos a inúmeros perigos, interferências, fingimentos e erros que de outra forma não nos ameaçariam. O suposto “trabalho espiritual” nos expõe a pecados espirituais. Tentações da carne, por mais difícil que seja resistir a elas, pelo menos são fáceis de detectar. As tentações do espírito geralmente aparecem disfarçadas de convites à virtude.
Qualquer cristão corre risco em qualquer uma dessas tentações. Porém, aqueles que trabalham abertamente como cristãos – pastores, professores, missionários, capelães, reformadores – vivem num ambiente muito perigoso, porque A própria natureza do trabalho é uma tentação constante ao pecado. O pecado é, para usar uma palavra antiga, o orgulho. Geralmente é quase impossível identificá-lo como orgulho, especialmente nas primeiras fases. Parece e dá a sensação de compromisso enérgico, zelo sacrificial, devoção altruísta.
Esse orgulho agravado pela vocação geralmente começa na fronteira entre fé pessoal e ministério público. Em nossa fé pessoal, acreditamos que Deus nos criou, salvou e abençoou. Em nossa vocação ministerial, embarcamos numa carreira de criar, salvar e abençoar no lugar de Deus. Tornamo-nos cristãos porque nos convencemos de que precisávamos de um Salvador. Entretanto, na hora em que embarcamos na vida ministerial, começamos a agir pelo Salvador.

Algo quase sempre dá errado. Em nosso zelo de proclamar o Salvador e cumprir seus mandamentos, esquecemos de nossa necessidade básica e diária do Salvador. A princípio, é quase invisível essa diferença entre nossa necessidade do Salvador e nosso trabalho pelo Salvador. Sentimo-nos tão bem, tão agradecidos, tão salvos. Essas pessoas ao nosso redor se encontram tão necessitadas! Lançamo-nos diretamente à luta. No caminho, a maioria de nós acaba identificando nosso trabalho com o de Cristo de tal maneira que o próprio Cristo é deixado de lado, e nosso trabalho recebe toda a atenção. Porque a obra é tão atraente, tão envolvente – tão correta -, trabalhamos com o que parece ser energia divina. Um belo dia, nos encontramos (ou os outros nos encontram) acabados de tanto trabalhar. O trabalho pode ser maravilhoso, mas à medida que trabalhamos, acabamos nos tornando bem menos que maravilhosos, ficamos irritados, exaustos, implicantes e condescendentes.
A alternativa para agir como deuses que não precisam de Deus é nos tornarmos pastores contemplativos... A contemplação compreende as enormes realidades de adoração e oração sem as quais nos tornamos pastores obcecados pelo desempenho profissional e pelos programas...
A vida contemplativa cria e libera grande quantidade de energia para o mundo – a energia vivificante da Graça de Deus, e não a agitação irritante de nosso orgulho.


Eugene Peterson. A vocação espiritual do pastor. Ed. Textus.


PENSE CARINHOSAMENTE NISSO EM ORAÇÃO!!!

Denise Gaspar

Um comentário:

Miguel Junior disse...

Eugene Peterson, amado irmão nosso, nos mostra, que tanto quanto a distância entre o discurso e a prática cristãos, há o perigo de "fazermos a obra", quanto perseguirmos em ser "obraddos" pelo Senhor... nos chama a atenção para o perigo de nos afastarmos do primeiro amor... que é o exercício da simplicidade do querer viver o Evangelho...sempre amando e temendo desagradar a Quem nos Ama...
à Cristo Jesus, à Deus toda Glória!!!
Miguel Junior.